Por Pepita Ortega, do Estado Conteúdo
BRASÍLIA – Ao estabelecer ligações entre os achados da Operação Última Milha – investigação sobre a Abin Paralela – e outros inquéritos que tramitam ou já circularam pelo STF (Supremo Tribunal Federal), a Polícia Federal resgatou nomes conhecidos dos investigadores, aliados de Bolsonaro, todos investigados por supostamente espalharem fake news.
Os investigadores apontam como as informações da Abin Paralela abasteceram os blogueiros bolsonaristas Allan dos Santos e Oswaldo Eustáquio, foragidos da Justiça – contra eles pesa ordem de prisão preventiva expedida pelo ministro Alexandre de Moraes, do STF.
Até a publicação deste texto, a reportagem buscou contato com os foragidos, mas sem sucesso. O espaço está aberto para manifestações.
Ao longo das investigações que os atingem, Allan dos Santos e Oswaldo Eustáquio evocaram “liberdade de expressão” e se disseram “perseguidos”. Também chegaram a pedir asilo político em outros países.
Allan dos Santos e Oswaldo Eustáquio atuavam como “vetores da desinformação”, segundo a PF. Eles eram municiados com informações da Abin paralela.
Segundo os investigadores, a difusão de fake news em grupos infiltrados pela estrutura clandestina era “um estratagema utilizado para distanciar os responsáveis e beneficiários da eventual responsabilidade penal”.
A atuação de Allan dos Santos de Oswaldo Eustáquio foi usada pela PF para argumentar que a organização criminosa investigada na Operação Última Milha permanece ativa, tendo em vista as “campanhas de desinformação promovidas por foragidos”.
Allan dos Santos é investigado não só no inquérito das fake news, mas também no inquérito dos atos antidemocráticos, que se transformou na apuração sobre milícias digitais. O blogueiro teve suas contas nas redes sociais suspensas por ordem de Moraes, mas segue burlando a determinação, segundo a PF, por meio da criação de novos perfis e se valendo de diferentes plataformas.
O inquérito liga Allan a dois alvos da quarta fase da Operação Última Milha: o influenciador Richard Pozzer, que, segundo investigadores, escoava as fake news produzidas pela Abin paralela; e Daniel Ribeiro Lemos, analista político legislativo, ex-servidor da Presidência no governo Bolsonaro e membro do núcleo ‘Presidência’ da organização instalada na Abin.
A PF sustenta que Daniel Lemos ainda compartilha lives promovidas pelo canal de Allan dos Santos. “Via o TL na veia!”, escreveu, em abril.
O blogueiro Oswaldo Eustáquio é citado como um “vetor de propagação dos produtos ilícitos produzidos” pela Abin paralela, em especial o sargento Giancarlo Rodrigues e o policial federal Marcelo Bormevet.
Nos diálogos entre os dois foram encontradas mensagens que fazem referência à condição de Eustáquio como investigado. “Ele me passou um telefone para entrar em contato com ele, mas isso eu nunca vou fazer. Esse cara deve ter grampo até na cueca”, escreveu Giancarlo.
O nome de Oswaldo Eustáquio teria sido escalado pela Abin Paralela para uma ação específica. A PF identificou uma ordem de Bormevet para que Giancarlo relacionasse o ex-diretor-geral da Polícia Federal Paulo Maiurino ao ex-governador do Rio de Janeiro Wilson Witzel. “O cara é zero currículo e seria indicação do Toffoli”, escreveu Bormevet, em referência ao ministro Dias Toffoli, do STF.
Segundo a PF, a ação clandestina citou não só Dias Toffoli e o ex-governador do Rio, mas também o ex-diretor-geral da própria PF, delegado Paulo Maiurino e, ainda, o vice-presidente Geraldo Alckmin.
“O que vcs acharam da indicação desse novo chefe da PF?? Bem estranho, o cara foi chefe de Segurança do STF na gestão do Dias Toffoli e agora é nomeado chefe da PF?? Além de ser secretário de Esporte, Lazer e Juventude do governo de Geraldo Alckmin (PSDB) em São Paulo, ainda integrou o Conselho de Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro no governo do Witzel. Sei não… acho que tem alguma coisa ai”, escreveu um perfil falso manejado por integrantes da Abin paralela ao ‘desovar’ a ação clandestina.
O objetivo seria “desestabilizar a credibilidade das instituições”.
Maiurino foi o quarto dirigente da PF no mandato do presidente Jair Bolsonaro. Ele assumiu o cargo em abril de 2021 e deixou o topo da corporação em fevereiro de 2022. Marcio Nunes de Oliveira, homem de confiança do ex-ministro da Justiça Anderson Torres, o substituiu.
A gestão de Maiurino ficou marcada por desentendimentos internos, principalmente com colegas de carreira. Ele chegou a propor a retirada da autonomia de delegados para investigar autoridades em casos mais sensíveis. Demitiu o chefe da superintendência da corporação em Brasília após ficar sabendo de última hora da realização de uma operação que envolvia aliados bolsonaristas. Maiurino trocou o chefe da PF no Amazonas após ele enviar ao Supremo Tribunal Federal uma notícia-crime contra o ex-ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles.
Ao Estadão, Maiurino negou, quando ainda chefiava a PF, interferências na corporação. “O presidente nunca me pediu nada e não interferiu em nada, muito menos em processos de investigação”, afirmou, em dezembro de 2021. À época, Bolsonaro era investigado por suposta tentativa de interferência política na PF – em março de 2022, a PF concluiu que não havia elementos mínimos para indiciar o então chefe do Executivo no inquérito.
Maiurino assumiu a PF no rescaldo de uma série de crises. Seus antecessores foram Maurício Valeixo (era Sérgio Moro como ministro da Justiça) e Rolando Alexandre. Entre a saída de Valeixo e a indicação de Rolando Alexandre à cadeira número 1 da PF, chegou a ser nomeado Alexandre Ramagem, mas sua posse foi barrada pelo ministro Alexandre de Moraes, do STF.
A ordem que impediu Ramagem de assumir a direção da PF foi citada no inquérito da quarta fase da Operação Última Milha.