MANAUS – Aqueles que são fãs de reality show viveram grande emoção na última edição do BBB da Rede Globo, já que durante o programa era possível ouvir a torcida na vizinhança, ora comemorando, ora decepcionada com os resultados das provas de liderança, mesmo em horário avançado. Parecia que estava acontecendo a final de um campeonato de futebol. Entretanto, o nome mais festejado era “Juliette” e eu não entendia o porquê.
Com o passar das semanas, comecei a pesquisar o que estava acontecendo e logo percebi que existia uma grande torcida pela candidata que conquistou o tão cobiçado prêmio (R$ 1,5 milhão). A atual vencedora se apresentou de forma cativante, comportamento amigo, acolhedor, espontâneo, regional, cultural e inteligente, típico do povo nordestino, que sempre encontramos quando passamos as férias por lá.
Se você já ouviu falar sobre as belezas de Natal, famosa por suas lindíssimas praias e ter em seu solo, o maior cajueiro do mundo, pode não ter tido a oportunidade de conhecer a maior parte da região potiguar, que fica no sertão. Embora a maioria conheça esse “nordeste” dos cartões postais, das propagandas ou das novelas exibidas na TV, durante a exibição do programa, a paraibana chamou a atenção por chamar de “cactos” a sua torcida.
Na verdade, a referida planta nordestina é o símbolo de um sertão castigado, de um nordestino sofrido que tem, em alguns casos, na refeição matinal, o principal alimento do dia, o indispensável cuscuz com algum acompanhamento, que vai sustentá-lo por toda jornada. Para alguns, talvez, a única refeição à luz do dia. Parece exagero, mas não é quando me recordo do primeiro café da manhã que tive nessa terra, quando um caicoense, sentou ao meu lado e pediu um cuscuz com buchada de bode (carneiro) às 6h15.
Distante a cerca de 300 quilômetros da capital, eu tive a oportunidade de residir por mais de um ano na cidade de Caicó, que fica no centro do sertão potiguar, região também conhecida como Seridó, no Estado do Rio Grande do Norte, quando servi no 1º Batalhão de Engenharia de Construção – 1º BECnst, sediado naquele município, onde tive, entre outras, uma experiência inesquecível que foi a de fiscalizar o fornecimento de água a população em condições de vulnerabilidade residente na zona rural do sertão nordestino.
Conduzida pelo Exército Brasileiro, a “operação pipa” foi implementada pelo Governo Federal e tinha como objetivo realizar o abastecimento de água potável para o consumo humano no Polígono da Seca Nordestina. Para cumprir as metas, foram contratados carros-pipa com pipeiros locais, que se encarregavam de transportar e distribuir água potável às populações rurais e urbanas atingidas pela estiagem.
Assim, era fornecida aquela população 20 litros diários de água por pessoa, para suprir as necessidades básicas, já que a água não chegava em sua plenitude aquelas regiões.
Tais serviços que foram contratados, eram fiscalizados por militares, quando tive a oportunidade de compor a equipe de fiscalização in loco nos municípios de São José do Sabugi, Serra Negra do Norte, Carnaúba dos Dantas, Cruzeta, Acari, Jardim do Seridó, Parelhas e Santana do Seridó nos anos de 1999 e 2000, sendo destacado em seguida, como apropriador (controlador de custos), para a obra de construção do Novo Aeroporto Internacional da Grande Natal, que fica sediada no município de São Gonçalo do Amarante, onde foram realizados todos os trabalhos, desde o desmatamento até hoje, o seu funcionamento, mas essa é uma outra história.
Assim, presenciei muita miséria existente no nosso sertão nordestino, e percebi que nosso País precisa efetuar muito trabalho para cumprir os objetivos da República Federativa do Brasil esculpidos na Constituição Federal, que destaco: a erradicação da pobreza, promoção do bem de todos e a construção de uma sociedade livre, justa e solidária. De igual sorte, a Magna Carta também traz como fundamento: a dignidade da pessoa humana.
Mas como falar em dignidade da pessoa humana, percebendo que em lugares tão distantes dos turistas internacionais e das lentes da TV e do cinema, verificamos que pessoas possuem um limite diário de consumo de água para fazer sua higiene diária, lavar roupa, manutenção da casa, alimento e bebida.
Tá certo, mas o que tem haver o sertão nordestino com os nossos municípios Amazonenses? O título do artigo fala em municípios amazonenses!
Por ter tido a oportunidade de ter conhecido muitos municípios do nosso Amazonas também e ter navegado por dias e noites pelos nossos rios, posso dizer, sem medo de errar que a principal diferença é que nossos municípios possuem água fornecida pelos rios que chegam a alagar algumas sedes em época de cheias, o que se contrapõe aos açudes, com nível crítico de água, ou mesmo, a utilização de adutoras para se levar água a alguns municípios do sertão nordestino, como a Adutora Piranhas-Caicó, construída pelo 1º BECnst.
Então, o que esses municípios do sertão nordestino e do interior do amazonas tem em comum?
Esses municípios, do sertão e do amazonas, possuem grandes problemas na sua infraestrutura, no saneamento básico, no tratamento de água, fornecimento de energia elétrica, entre tantos, ou seja, necessitam de maiores investimentos, em praticamente todas as áreas, inclusive saúde e educação. Há a necessidade de criação de políticas públicas que realmente possam promover o desenvolvimento dessas regiões, principalmente nos pequenos municípios, que sejam capazes de estimular o desenvolvimento, criando empregos, rendas e uma melhor qualidade de vida aos munícipes, visando uma vida digna para todos.
Além da migração estudantil para as capitais, os alunos do interior, depois de formados, que não encontram oportunidades de trabalho em suas áreas nos municípios de origem, estão cedendo a tentação pela migração para outros Estados, o que agrava ainda mais a prestação do serviço público por profissionais qualificados nessas regiões, sobretudo as necessidades básicas, como assistimos com a falta de profissionais da saúde e a falta de hospitais de alta complexidade no interior durante a pandemia, mesmo que por regiões.
Recordo-me de uma indagação que fiz, quando estive no município de Canutama (AM), que hoje ainda está com o aeroporto fechado e que o acesso só se realiza de lancha/barco, saindo de Lábrea, ou via Tapauá, num percurso de cerca de 12 horas de duração, em lancha fretada, pois não existe o oferecimento de transporte fluvial comercial diário. Então me perguntei: O que é feito quando um cidadão desse município tem um acidente ou um ataque cardíaco ou AVC? Como será possível promover o socorro a esse cidadão, se ele demandar um atendimento de emergência?
Assim, destacamos a real necessidade da implantação ou mesmo a criação de políticas públicas capazes de atender ao cidadão do interior do nosso Estado, aliás o art. 196 da nossa Constituição Federal, estabelece que “a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.”