Vivemos num tempo em que o excesso de informação disponível não é garantia de democracia, de liberdade, de justiça nem de esclarecimento. Pelo contrário, a enxurrada de informação parece estar levando as sociedades a um novo tipo de obscurantismo. Embora abundante, a informação é de má qualidade, alienante e entorpecedora, formando comunidades continentais de lixo simbólico. É o chamado obscurantismo informacional.
Esse tipo de lixo simbólico se expressa sob variadas formas, produz consequências diversas, e infecta grande parte dos veículos de mídia, de imprensa, aparelhos de tecnologia da informação (celulares, computadores, tablet’s), expandindo-se celeremente no espaço virtual das chamadas redes sociais e aplicativos que possibilitam interatividade de comunicação em tempo real.
Utiliza-se de forma indevida esses aparelhos e recursos interativos, digitais ou não, sob a desculpa do exercício da liberdade de expressão, para violar os direitos dos demais indivíduos e instituições, alvo de ataques repugnantes (calúnias, difamações, injúrias, desacatos etc). Desrespeitando o direito alheio à privacidade, à dignidade, à saúde simbólica, a ser tratado com decência, difundem-se sem qualquer fundamento de verdade ondas de boataria e de ataques a pessoas e a instituições. Sem base alguma em fatos reais, nem sequer a oitiva ou consulta prévia à parte atacada, parte-se para execrações ou linchamentos públicos virtuais de indivíduos, de coletividades, de instituições e de tradições humanistas, fomentando contra estes um ódio injustificado, oposições irracionais, condutas destrutivas que contaminam comunidades virtuais inteiras, incitando, com isso, pessoas e grupos à violência, ao golpismo político, ao terror institucional e ao pânico social. Isso para não abordar detidamente aqui os golpes e os crimes praticados, inclusive a partir do interior de unidades prisionais, via celular e internet. Uma condição de obscurantismo informacional, que mesmo na era virtual, conduz à insegurança e à barbárie no mundo real. Um primitivismo tal, anterior à tradição do talião, que produz a obscena “injustiça com as próprias mãos”, agora via eletrônica.
Não é de hoje que ao terrorismo de opinião sucede o terror político e social, todavia, isso era antes restrito a pequenos grupos de um fundamentalismo alienante e pré-racional, característica essa alterada com o poder de alcance das redes sociais e de ferramentas de interatividade em tempo real. Sem qualquer escrúpulo no uso político dessas mídias e veículos diversos de informação, corre-se o frequente risco de que a manipulação política das redes sociais e da internet, via enxurrada de informação de péssima qualidade, seja instrumentalizada para sabotagem de indivíduos, de coletividades, de instituições, de regimes políticos abertos e de economias nacionais. É o obscurantismo informacional servindo para o entorpecimento ideológico e político das massas, usando o lixo simbólico para produzir desorientação e confusão ao invés de discernimento, bom senso e lucidez.
Nesse contexto, pode-se pôr em risco a ordem pública e o efetivo interesse coletivo para ceder a pressões de certas corporações, seja de que natureza for, com vistas a satisfazer interesses sem o respaldo legítimo da população e do procedimento político e legal previsto, ferindo assim os princípios da administração pública e os fundamentos do regime democrático. A limitação dos governantes em perceber tais atentados e a fraqueza em dar respostas à altura a essas táticas obscurantistas informacionais, manipuladas politicamente por corporações, pode levar à desintegração do pacto social e institucional vigente. E conduzir a ordem e o interesse público a sujeitarem-se a perniciosas corporações.
Ressalte-se uma vez mais que não se trata de ser contra a modernização da tecnologia da informação, a liberdade de imprensa, a refinamento das mídias, redes e veículos de comunicação social, mas apenas de chamar a atenção para os terríveis efeitos do lixo simbólico gerado pelo obscurantismo informacional, com nocivos impactos sobre os direitos fundamentais individuais, coletivos e sociais, inclusive a segurança pública e o regime político de orientação democrática. Quiçá o marco civil da internet, recentemente aprovado pelo parlamento brasileiro, possa contribuir, nesse sentido, para resguardar efetivamente os direitos fundamentais no país.
Trata-se de enfrentar, combater e dissipar a nova era de medievalização em curso, agora marcada não pela escassez e proibição do acesso à informação, mas pela enxurrada de informação de péssima qualidade e pelo excesso de permissividade à futilidade, ao lixo simbólico, ao consumismo delirante e outras práticas deformadoras que obscurecem o espírito humano, longe de fortalecê-lo com a lucidez, a autonomia e o discernimento essencial à vida em sociedades livres, justas e solidárias.
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