O título deste texto faz referência à ideia integradora de que tudo está interligado. Esta ideia constitui uma provocação à nossa inteligência moderna que costuma separar e isolar todas as coisas, perdendo a visão de conjunto que une e vislumbra a realidade de forma mais coerente e profunda. A visão compartimentada das coisas trata as diferentes dimensões da realidade como se fossem gavetas que acessamos de acordo com o interesse do momento, numa completa independência de uma em relação à outra. Esta visão simplificadora ganha ênfase no contexto da prevalência do paradigma tecnocientífico, que transforma tudo em objeto manipulável, visando intervir na natureza, muitas vezes ultrapassando as fronteiras éticas e colocando a vida em perigo.
Este paradigma reducionista também ganha força na esteira da tendência mercantilizadora da sociedade capitalista, que tudo transforma em produto de compra e venda. Segundo esta mentalidade, o mercado deve avançar sobre todas as dimensões vida e todos os elementos da natureza, isolando-os, mensurando-os e atribuindo-lhes valor econômico. Assim, eles podem ser mobilizados para servirem ao propósito de gerar lucros, beneficiando, sobretudo, aos grandes empresários e rentistas do sistema financeiro.
Priorizando os interesses do mercado em detrimento das necessidades das populações e ignorando a interligação essencial entre todas as coisas, as florestas são derrubadas e queimadas em virtude de atividades extrativistas e para dar lugar aos empreendimentos agroexportadores. Estas iniciativas, base de um modelo predatório de desenvolvimento, estimulado pelo atual governo federal, geram desequilíbrios entre as diversas formações da natureza, sendo causa de destruição, injustiça e sofrimento para as pessoas, sobretudo para aquelas mais pobres, que são as primeiras a sentirem os efeitos negativos dos estragos realizados.
Esta obsessão capitalista, ao promover o desmonte das políticas de preservação ambiental nestes últimos meses, ocasiona sérios danos à manutenção das florestas da Amazônia, afetando inclusive o funcionamento dos ciclos hídricos e precarizando a qualidade de vida em geral. A cegueira causada por esta lógica economicista inibe a solidariedade para com a própria espécie (e para com outras espécies vivas) dentro de uma visão redutora e individualista, onde não há espaço para a ética e nem para o compromisso socioambiental. Este horizonte limitado, focado exclusivamente na produção infinita de lucros, impossibilita qualquer empatia para com a diversidade de seres humanos e não humanos, colocando em risco a vida presente e futura no planeta.
As políticas de privatização de bens públicos e recursos naturais ignoram a sinergia existente entre todas as coisas, promovendo a exclusão social de expressivos setores da sociedade e aportam a sua contribuição na perpetuação das desigualdades historicamente presentes na sociedade brasileira. Em Manaus, a precariedade dos serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário visível nas periferias, favelas e ocupações urbanas indica o grau de perversidade que pauta a atual gestão urbana. A concessionária Águas de Manaus (controlada pelo grupo privado Aegea Saneamento) não mede esforços para ampliar os seus lucros e enriquecer os seus investidores às custa do sofrimento das populações mais empobrecidas e da poluição dos rios e igarapés locais.
Esta situação retratada nos últimos dados do Sistema Nacional de Informações sobre o Saneamento (SNIS-2017) reflete a falta de empatia para com o conjunto da sociedade e a ausência de compromisso em relação ao cuidado para com a natureza. É necessário retornarmos à “boa consciência” a fim de encontrarmos os parâmetros mínimos da ética sem os quais não caminharemos rumo a uma adequada e sustentável convivência com o outro (humanos e não humanos), provocando vergonha, decepção e até indignação às próximas gerações.
Ao invés de se pautar por um viés meramente ideológico e agressivo, que acentua as divisões, é preciso que o governo federal tenha em vista o bem do conjunto do país e invista esforços na superação dos grandes problemas da sociedade brasileira: as alarmantes desigualdades sociais, a intolerância em relação às diferenças (racismo, homofobia e misoginia) e a destruição do nosso patrimônio natural. Infelizmente, parece que é pedir demais. Este conjunto de valores parece estar além dos horizontes estreitos da atual equipe de gestores que comanda o país e a capital amazonense.
Sandoval Alves Rocha Fez doutorado em ciências sociais pela PUC-RIO. Participa da coordenação do Fórum das Águas do Amazonas e associado ao Observatório Nacional dos Direitos a água e ao saneamento (ONDAS). É membro da Companhia de Jesus, trabalha no Intituto Amazonizar da PUC-Rio, sediado em Manaus.
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