A crise brasileira atual não começa nem se encerra num ponto só. Ela carrega em si, na medida que cresce como uma bola de neve, uma série de afluentes que convergem no colapsar de uma ideia de Brasil que fora planejada dentre os limites rígidos da dependência. Difícil não achar semelhança na literatura espírita, ou nos filmes de terror, quando é preciso às vezes “avisar” para o morto que ele morreu. Mesmo que isso possa por vezes significar a necessidade de mandá-lo embora de algum jeito. Caso contrário, permanecerá a vagar por ai.
Enquanto o povo se aflige por desamparo, indignação e melancolia, não se sente armado com as ferramentas necessárias para se fazer ator político de sua própria história. Mas uma coisa é clara: algo morre, e algo nasce. Como disse Antonio Gramsci – o suposto ideólogo da esquerda contemporânea segundo alguns conservadores delirantes que, infelizmente, no caso, erraram feio —, “a crise consiste precisamente no fato de que o velho está morrendo e o novo ainda não pode nascer. Nesse interregno, uma grande variedade de sintomas mórbidos aparecem”.
Uma das consequências imediatas da crise é o energizar do processo de desindustrialização. Que já vem capengando e adoecendo nas últimas décadas, sobretudo depois da concretização do plano real – período que teve sua morte decretada algumas vezes em nome do rentismo. A última delas ocorreu nesta semana, na exigência da Organização Mundial do Comércio para retirada de subsídios do governo brasileiro sob a indústria. Isso significa um maior corte de gastos, e, evidentemente mais um aumento da nossa condição de dependência estrutural.
O fracasso – ou sucesso, a depender da perspectiva de classe – da indústria brasileira significa o desmoronar de toda uma superestrutura que condicionava os limites do nosso futuro perante a totalidade do sistema capitalista global. Isto é, nossa crise, da mesma forma que não começa simplesmente aqui, não se encerra aqui. Em outras palavras, o Brasil não é uma ilha.
Diante disso, o capital responde de forma quase automática às expectativas e planejamentos sob o Brasil. Dado nosso lugar e papel na divisão internacional do trabalho, a economia brasileira é rebaixada. Aniquila-se qualquer breve intenção de restabelecer um projeto minimamente autônomo de economia nacional, transformando o Brasil numa grande feitoria.
Com essa redução sistemática de gastos, na intenção irresponsável de tornar sustentável a relação do déficit primário, inflação e investimento externo, quem paga a conta é, como sempre, o trabalhador. Como se não bastasse sair do bolso deles boa parte do real subsídio dos empreendimentos das últimas décadas – afinal, é pobre quem paga imposto no Brasil – e todo o trabalho que sustenta o capital, a classe trabalhadora recebe mais um peso pra carregar.
A implicância direta desse aumento do grau de dependência é não outro senão a superexploração da força de trabalho: mais trabalho, menos direitos. E no meio dessa legitimação midiática sob esse (des)projeto econômico sempre se coloca – para aqueles que conseguem ouvir criticamente – o grito do não dito – normalmente muito mais significante do que o dito: para conseguir aplicar e fazer permanente essa precarização do trabalho, na medida que se tira direitos, tiram-se também oo condicionantes básicos dos resquícios de democracia aqui um dia sonhado.
Não é à toa que nem a presidenta, nem o projeto de governo eleitos foram respeitados, na verdade foram retirados do caminhos com facilidade assustadora. O povo e sua vontade são tratados como empecilhos para a aristocracia. A saída necessária é, mais do que nunca, radicalizar a democracia.
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