O cerne de qualquer discussão que busque o desenvolvimento, ou até que possua um caráter progressista, reside na compreensão das grandes dificuldades brasileiras e, portanto, na elaboração das soluções viáveis para emergenciais problemas. Esse deve ser o ponto de partida de qualquer conversa séria sobre nossa realidade. Isto é, aquele que não se debruça, por vezes, em visitar a memória do nosso passado, latente no cotidiano, deixa de lado a emergência da crítica e resgata, mais uma vez, a enganação da ideologia.
Em tempos que ainda se prospera uma discussão sobre suposta oposição entre PT e PSDB – não enquanto partidos, mas enquanto projetos de país – ou qualquer outra falsa dicotomia, faz-se nítida aí a falência da crítica. Em tempos de descrença e rejeição da política e acensão do ideal de “gestor” como solução dos problemas nacionais, estamos abandonando a possibilidade de apontar e priorizar o que realmente importa saber e discutir. E tem sido este o discurso dominante de falsificação da realidade, a oportunista troca do essencial pelo ocasional.
Os impasses e os dramas do Brasil não advêm da corrupção, duma crise moral, da “falta de investimento em educação”, de más pessoas, da falta de liberdade do mercado, excesso de impostos, inchaço estatal, do voto equivocado, nem do Lula e nem do Moro. Os problemas do Brasil são na verdade ecos do seu passado. Que vão mudando de casca, em metamorfose ideológica, e se reapresentam em cenários espetaculares e enganadores do jornal nacional. Estamos hipnotizados a cada análise de conjuntura rasa, ou espetaculosa entrevista de um economista mainstream da Globo News, de forma ou de outra, querendo ou não.
É preciso segurar nas mãos essa coisa polêmica e obscura chamada Brasil e perguntar: “O que é isso?” e “Como viemos parar por aqui”?. Isto é, se chegamos até esse ponto, nessa situação calamitosa, nessa barbárie generalizada e naturalizada, não foi por ordem divina, por falta de reza, preguiça ou azar. Nossa síntese não só explica a tese do que foi o nosso passado, como também o abriga. Muitas das dinâmicas um dia aqui instauradas ainda residem justamente pela continuidade da estruturação constituída.
Os problemas que atravessam o Brasil são apenas sintomas que apontam para patologias seculares, os incômodos problemas estruturais absolutamente coerentes e inerentes a um país com estruturação colonial. Até aqui não fomos capazes de romper com a lógica que o domina e articular um projeto mínimo, de Estado-nação forte. E justamente por isso somos incapazes também de nos apropriarmos de um conceito dinâmico de brasilidade, conectado à latinidade que nos aproxima de parceiros próximos e mais audaciosos do que fomos. Tomar consciência de si próprio, viralizar o conceito de pertencimento, é a ferramenta mais eficaz de conter domínio e avanço do imperialismo, e com isso ter a mínima articulação com a democracia.
Se o Brasil se funda e se configura em sua história enquanto parte fundamental do balcão de negócios mercantis da metrópole, ele ainda hoje, de forma particular, repete essa qualidade ao reproduzir os mesmos modos de política econômica sem nortear um rompimento com a dependência. Pelo contrário, aceita com enorme facilidade essa posição passiva, não questiona jamais a existência dessa relação, no máximo negocia sua própria servidão – já que sua burguesia assim prefere.
O Brasil não rompeu com seu passado colonial, apenas o transfigurou. A escravidão, por exemplo, agora corresponde por arrochos salariais, diminuição de direitos, “possibilidade de negociar com o patrão”, etc, enfim, o que reina na periferia é a superexploração da força de trabalho. E o trabalhador moderno é uma espécie de neo-escravo. Ou mesmo o agronegócio – responsável pelo enganoso crescimento do PIB nesse semestre, e que recebe esse nome para esconder sua realidade que é a de um latifúndio que planta, entre tantas coisas a barbárie.
Enfim, tanto um quanto o outro exemplificam a realidade brasileira que é a de duma sociedade inteira montada com o intuito de abastecer as exigências do capitalismo central. Não há aqui uma forte industrialização para que possa haver o mínimo de soberania, só há aqui a produção necessária para que se exporte o capital dentro da relação de dependência. Continua…
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