A decisão do Supremo Tribunal Federal sobre Renan Calheiros é daquelas histórias que o mundo só vai ver acontecer no Brasil, um país que, no campo da política, ainda não chegou à condição de mundo. Ainda é imundo, no conceito do teólogo e filósofo Arcângelo Buzzi (Introdução ao pensar). Como aceitar uma decisão tão estapafúrdia dos guardiões da Constituição brasileira? Renan Calheiros serve para presidir o Congresso Nacional, mas não serve para suceder um companheirão dele na presidência da República. Contem outra, senhores ministros.
No dia 5 de maio deste ano, o ministro do STF Teori Zavascki, em decisão monocrática, afastou o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, não apenas da presidência do parlamento, mas também do cargo de deputado federal. No mesmo dia, o Supremo, com seus 11 ministros, confirmou a decisão.
Agora, a mídia, os políticos que apoiam o governo e as autoridades que envergonham o país – como Gilmar Mendes –, trataram de execrar o ministro Marco Aurélio Mello, que, no mesmo diapasão, afastou o presidente do Senado. Zavascki justificou assim o afastamento de Cunha: “… não há a menor dúvida de que o investigado não possui condições pessoais mínimas para exercer, neste momento, na sua plenitude, as responsabilidades do cargo de Presidente da Câmara dos Deputados, pois ele não se qualifica para o encargo de substituição da Presidência da República, já que figura na condição de réu no Inq 3983, em curso neste Supremo Tribunal Federal”.
No caso de Renan Calheiros, que também é réu em processo no STF, seis ministros ministros, inclusive Teori Zavascki, votaram para que ele permaneça no cargo, afastando-o apenas da linha sucessória do presidente da República. A decisão é tão inconsequente que a própria argumentação dos ministros revela contradição. Por exemplo: Ricardo Lewandowski disse que “Não há nenhuma indicação que o presidente da República venha a ser substituído pelo presidente do Senado num futuro próximo”. Se não era isso que preocupava os membros da “Suprema Corte”, por que afastar essa possibilidade?
Para os seis ministros, não há risco iminente que justifique o afastamento do senador do cargo de presidente do Senado e do Congresso Nacional, sendo suficiente a restrição de ocupar a presidência da República.
A verdade sobre o episódio, no entanto, apareceu no voto de um dos ministros. Luiz Fux disse, alto e bom som, que o afastamento do presidente do Senado, que é do PMDB de Michel Temer, poderia prejudicar “o bom andamento” das propostas de reforma em tramitação no Congresso.
Depois do “buchicho” que a decisão do STF causou, os ministros trataram de negar as informações de bastidores de que os votos favoráveis a Renan foram fruto de um acordão para mantê-lo no cargo e garantir a votação de propostas do presidente Michel Temer no Congresso. Dois deles negaram que tenha participado de qualquer reunião para acertar o acordo. Nesses tempos de redes sociais, não é necessário sequer parar o trabalho que se está fazendo para participar de uma conversa e acertar o que fazer no momento seguinte.
O problema de tudo isso é que a piada produzida pelo STF joga o último bastião da moralidade brasileira muito próximo da lata do lixo. Não é o que a sociedade brasileira quer nem precisa, mas é o que estamos assistindo.
Valmir Lima é jornalista, graduado pela Ufam (Universidade Federal do Amazonas); mestre em Sociedade e Cultura na Amazônia (Ufam), com pesquisa sobre rádios comunitárias no Amazonas. Atuou como professor em cursos de Jornalismo na Ufam e em instituições de ensino superior em Manaus. Trabalhou como repórter nos jornais A Crítica e Diário do Amazonas e como editor de opinião e política no Diário do Amazonas. Fundador do site AMAZONAS ATUAL.
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