Necessárias e relevantes para responsabilizar comprovados autores de delitos, as condenações e prisões de agentes políticos, partidários e empresariais seriam suficientes para reformar a política e repassar o regime institucional do país a limpo?
Muito embora o viés repressivo-institucional seja imprescindível diante do que se tem revelado na política brasileira desde a década passada, por si só, ele não tem sido suficiente para sanear a vida política do país, em especial os sistemas eleitoral, partidário e representativo.
A forma como se faz política no Brasil ainda continua sendo o principal problema de segurança pública, ou seja, o maior e mais grave caso de polícia de que se tem notícia na história recente do país.
É fundamental que não se limite o tratamento conferido às instituições de mediação política da vida nacional apenas ao aspecto repressivo, mas também se consiga promover uma abordagem preventiva. Para tanto, é essencial a retomada das pautas para realizar uma efetiva reforma política, que alcance o sistema eleitoral, partidário e representativo. Talvez até mesmo o sistema de governo. É necessário discutir essa questão, indo além da realização de meras e reiteradas eleições viciadas. Apenas trocar o comando do “barco furado” sem reparar o vazamento não impedirá o mesmo de afundar.
Eleições são vitais ao regime democrático, mas desde que sejam realmente livres de abusos econômicos, compra de votos, práticas corruptoras e outras intervenções que as viciam, inutilizem e as tornem perigosas encenações, como as que ocorrem periodicamente no Brasil. É preciso, por exemplo, demandar critérios de idoneidade dos candidatos, alguns dos quais já previstos na própria constituição federal. Essa coisa de qualquer um ser candidato sem que se possa exigir melhor critério de probidade ou moralidade acaba nivelando a todos e sempre favorecendo flagrantemente os piores. Nesse aspecto, tal descaso, talvez proposital, constitui-se numa porta escancarada à impunidade de quem já é contumaz na prática de crimes e procura se imunizar e blindar em mandatos, cargos e funções públicas.
Faz-se urgente que se discuta o aprimoramento dos critérios para representação popular, a limitação ou o fim da reeleição no executivo e no legislativo, revisar os poderes e a dinastização de mandatos, tratar da reforma partidária e da democracia no interior dos partidos, abordar a possibilidade do voto distrital misto, buscar a eliminação do predomínio da influência financeira ou abuso do poder econômico nos pleitos e processos eleitorais, questionar a manutenção da obrigatoriedade do voto, dentre outras questões essenciais para repassar o país a limpo. Qual o sentido de um fundo partidário e eleitoral bilionário num contexto de fácil acesso à informação e propaganda via redes sociais, veículos digitais e outras mídias? Fundo bilionário esse que destoa inteiramente no contexto tecnológico atual e é afrontoso frente às necessidades prioritárias da população, ainda mais num cenário de grave crise, retomada da fome e do desemprego em larga escala.
É essencial que haja alguma previsão para se discutir o que realmente importa ao país e para se efetuar os imprescindíveis “reparos” no sistema político, eleitoral, partidário e de representação, pois os mesmos estão montados para funcionar com base em esquemas viciados, tráficos de influência, saques e pilhagens institucionais de recursos que deveriam ser destinados ao público e não a particulares. Os atuais sistemas que integram o regime político brasileiro são “perfeitos”, “redondinhos”, para favorecer a grupelhos, a bandos, a organizações, a quadrilhas partidárias e outras formas associadas ao complexo econômico-financeiro, que já se acomodaram com o funcionamento das instituições políticas de modo a naturalizar vícios, práticas delituosas e outros esquemas e aberrações criminosas contra os recursos públicos e as perspectivas democráticas da sociedade brasileira. A política no Brasil persiste lamentavelmente ancorada em processos atentatórios à soberania popular, à dignidade da pessoa humana e ao regime democrático.
Embora necessárias e importantes, ocorrendo tão somente condenações e prisões de atores políticos e figuras públicas sem que se adotem concretas medidas preventivas e se corrijam defeitos estruturais dos elementos que integram o sistema político brasileiro, pouco expressivos serão os desdobramentos reais em favor da democracia e da sociedade brasileira no decurso do tempo. Por isso, é crucial ir além do mero viés repressivo e alcançar efetivos desdobramentos que permitam ao país superar e prevenir-se ao máximo da corrupção sistêmica, da violência organizada e endêmica, da criminalidade institucionalizada, uma vez que esses vícios sempre rondam as esferas de poder e espaços estatais.
Pontes Filho é Doutor em Sociedade e Cultura na Amazônia. Mestre em Direito Ambiental. Graduado em Ciências Sociais e em Direito. Servidor público estadual. Docente da UFAM.
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