Resultado do 10º Fórum Social Pan-amazônico, que ocorreu entre os dias 28 e 31 de julho, a Carta de Belém expõe a preocupação da sociedade civil com a vida das populações da Amazônia assim como as inquietações sobre as intervenções predatórias que esta região tem sofrido depois da chegada dos europeus e nos tempos contemporâneos. A Panamazônia integra partes importantes de 9 países da América do Sul, apresentando extraordinária diversidade biológica e cultural, que são imprescindíveis para a manutenção das condições ambientais necessárias para a existência humana no planeta.
O desconhecimento dessa região e a sua valorização meramente econômica tem gerado consequências desastrosas, colocando em risco a sua integridade e produzindo danos para toda a Terra através da destruição do ecossistema. A aproximação da região sempre foi caracterizada pela lógica do saque, do mercado, da dominação e da devastação, em uma total negligência com os povos locais e com as suas formas de viverem no território, preservando e respeitando as dinâmicas vitais.
Indígenas, camponesas, negras, quilombolas, mulheres populares e urbanas, mulheres trans e lésbicas, uma força de resistência em defesa da vida, são violadas pela ação e omissão dos Estados, fundamentalismos políticos e religiosos, patriarcalismo, racismo e militarização, corrupção enraizada e instalada em nossa sociedade, capitalismo que através de corporações transnacionais e forças econômicas expropriam territórios com impunidade, violação de corpos, tráfico, controle de pessoas e modos de vida, violência sexual, feminicídio, violação de direitos sexuais e reprodutivos, ataques à diversidade, dissidência sexual e de gênero.
O X FOSPA, no entanto, demonstrou não somente preocupações sobre as intervenções inadequadas na panamazônia, mas também mostrou as lutas e resistências das populações desse território. Resistências prenhes de esperança e potencial transformador que vêm denunciando os setores empresariais do agronegócio, do extrativismo, do hidronegócio, da mineração, da grilagem, da garimpagem, entre outros que comandam o modelo de desenvolvimento predatório predominante.
O evento tornou visíveis os esforços das populações amazônicas em defender as suas terras e tudo que elas portam, contra os invasores representantes do modelo econômico neoliberal que busca transformar tudo em mercadoria para beneficiar as elites econômicas e financeiras, assim como atender unicamente os interesses das superpotências globais. Diante de tamanha ameaça, as populações amazônicas exigem que se respeite o princípio da autodeterminação dos povos, possibilitando-os terem o direito de definir as suas próprias histórias e viverem as suas vidas de acordo com as suas tradições e cosmovisões.
Importa destacar a relevância da concepção da Natureza como sujeito de direitos, que tem conseguido adesão de várias nações. Há mais de 37 países que reconheceram os direitos da natureza em vários níveis, incluindo os direitos da Amazônia. No Brasil, 4 municípios aprovaram esse reconhecimento e mais 4 Estados estão debatendo, incluindo Belém, sede do Décimo Fórum Social Panamazônico (FOSPA).
A declaração do X FOSPA não fica somente nas críticas e constatações de violência, mas propõe uma série de medidas para os governos nacionais e locais, visando à proteção da Amazônia e seus povos. Nesse sentido, o documento propõe que se declare estado de emergência climática na região panamazônica, que se apoie o III Tribunal de Ética em defesa das mulheres amazônicas e ondinas, que se promova a educação, a pesquisa e a comunicação como pilares de transformação nos territórios da região, entre outras propostas que visam superara a crise humanitária, ambiental e climática que assola o planeta.
Como sociedade civil organizada, as organizações e lideranças ali presentes exigem um modelo político, social e econômico que priorize a integridade da nossa casa comum, que reconheça e respeite os territórios e o pleno exercício dos direitos dos povos amazônicos e dos direitos da Natureza.
Urge também, respeitar e promover a produção agrícola e florestal diversificada em harmonia com a natureza, agroflorestação, agroecologia, projetos para produção e consumo local, manejo comunitário dos commons, floresta e território, uso de sementes nativas, ecoturismo comunitário, projetos de energia alternativa, cuidado e manejo integrado e participativo de bacias hidrográficas e biorregiões e muitas outras iniciativas voltadas para a vida e não para a mercantilização da natureza.
Sandoval Alves Rocha Fez doutorado em ciências sociais pela PUC-RIO. Participa da coordenação do Fórum das Águas do Amazonas e associado ao Observatório Nacional dos Direitos a água e ao saneamento (ONDAS). É membro da Companhia de Jesus, trabalha no Intituto Amazonizar da PUC-Rio, sediado em Manaus.
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