Em tempos de centenário da Revolução Russa, polarização do espectro ideológico, “fake news”, e queda da máscara de William Waack, um racista travestido de democrata, existe um pensador que pode contribuir para melhor entendimento da estrutura. Por mais distorções conceituais que tenham sido disseminadas em seu nome, Antonio Gramsci nos trouxe uma importante contribuição quando no debate sobre os caminhos possíveis da revolução socialista no Ocidente.
Com a multiplicidade de revoluções burguesas ocidentais, imprescindíveis para a solidificação do capitalismo, se criou uma série de, também imprescindíveis, aparatos de produção e dominação ideológica nas sociedades contemporâneas. Isto é, o que alguns lunáticos chamam de “marxismo cultural” não passa do nível mais primitivo de mistificação ideológica: claro que não há nenhuma dominação cultural por parte dos comunistas – até porque, é difícil de se encontrar até mesmo um representante dessa espécie hoje em dia. Essa mistificação, na verdade, esconde a realidade do justo oposto.
O que Gramsci expõe é que, ao contrário do oriente, onde fora possível primeiro uma tomada de poder, para depois definir e implantar o avanço da hegemonia ideológica do socialismo – o que depois teve um fim trágico com a centralização de poder e autoritarismo da gestão Stálin – por aqui deveria ser o contrário. O fato duma crise econômica não bastar para deslegitimar o sistema, nem espontaneamente trazer a rebelião das massas, significa que, aqui, para a solidificação do capitalismo fora preciso uma série de aparelhos privados de hegemonia: as mídias, as igrejas, as entidades de classe, o modelo educacional baseado no “foco do adestramento”, enfim, incluam-se na lista alguns sindicatos pelegos…
No Brasil, a constatação de Gramsci não deixa dúvidas. Para além de qualquer ilusão de jornalismo imparcial – isto é, desvinculado de seu caráter de classe – o jornalismo brasileiro tem marca, tem história, tem nome, ou melhor, sobrenome, e tem, sobretudo, descaradamente, lado. O vídeo que foi divulgado recentemente na internet, evidenciando um ato racista e asqueroso do jornalista Willian Waack, diz, muito além de apenas uma distorção ética pessoal, o tipo de profissional que frequenta e domina estruturalmente o predicado do jornalismo hegemônico brasileiro. Basta ver seu destaque na categoria e o perfil acadêmico dos que frequentam seus debates.
Isto é, com breve pesquisa a respeito de quem são, e o que pensam, os principais jornalistas que compõem a linha de frente dessa central de publicidade política – os chamados “formadores de opinião” – pode-se então ver que o espaço para divergência conceitual é quase nenhum. Todos pensam, e são estimulados a concordar, as mesmas coisas. Todos falam dos mesmos assuntos. Sob o mesmo ponto de vista. E chamam, para referendar seu catecismo, especialistas – PhDs aceitos pelo universo moral e conceitual dominante, consumidores e pregadores do mesmo lado do espectro político. Fica assim sacralizada a visão de mundo adequada a seus interesses. Não há ali qualquer compromisso com a crítica. Há ali, sobretudo, política, no sentido mecanicista de assegurar o status quo. Há ali luta de classes.
Do outro lado da transmissão, o trabalhador brasileiro que acorda de manhã para viver sua rotina, ouve, no caminho para o trabalho, os comentários de Sardenberg e Reinaldo de Azevedo. A alternativa a isso é consumir o rebotalho da indústria cultural americana. Ao voltar pra casa, fragilizado pelo cansaço, ele é violentado pelas novelas, o canal lúdico da ideologia Globo, cuja verdade siliconizada tem seu ápice no Jornal Nacional, com W. Bonner. Alguns mais qualificados, reféns da mídia perversa televisiva, se debulham no Jornal das 10, na Globo News, com Merval Pereira no comentários, entre outros camarotes, reprodutores liminares do manual liberal.
A Globo que tenta, em meio a essa crescente onda crítica aos costumes estabelecidos, se “modernizar”, isto é, sobreviver enquanto empresa. Num mundo diferente daquele da repressão explícita e cerceamento das liberdades mais primitivas, como se deu da ditadura militar, faz “campanha” pra eleger presidente, e até legitimar um golpe parlamentar. Por isso, se viu obrigada a afastar Waack. A manifestação racista do jornalista, por mais que ninguém duvide de sua absoluta convergência de opiniões com os outros grandes do jornalismo mainstream, ao ser exposta – E APENAS AO SER EXPOSTA – não pode mais fazer parte do corpo de profissionais da emissora. Continua…