Há uma relação cada vez mais clara entre os fenômenos decorrentes do viciamento humano e a expansão das taxas e indicadores de criminalidade, inclusive no Brasil. Não é de hoje que os diversos vícios tendem a impactar a vida em sociedade, constituindo-se em fatores de insegurança.
Existem registros de que, na antiguidade, a difusão epidêmica de certos vícios contribuiu, ao lado de outros motivos históricos tanto no campo político quanto na área econômica, para decadência de impérios e de civilizações.
Sócrates apontava que certas posturas e práticas viciadas dos atenienses poderiam levar a cidade-estado à ruína. Platão chegou a elaborar uma pedagogia para superar os vícios e promover as virtudes entre os cidadãos, a fim de selecionar dentre eles os melhores governantes, os chamados “reis filósofos”. Mesmo assim, Atenas sucumbiu. Roma também sofreu as consequências decadentes do viciamento difundido por toda sociedade, a partir da degeneração de sua elite política e militar.
Em certa altura da idade média, a Igreja Católica tratou de combater o processo de viciamento amparada na doutrina dos pecados capitais (soberba ou vaidade, inveja, ira, preguiça, luxúria, avareza e gula). Estes pecados ou vícios seriam produtos de influências sobrenaturais perniciosas, aquilo a que alguns chamavam de demônios, anjos caídos ou más influências extra-físicas. É representativa a frase de Santo Agostinho: “O pecador, ainda que seja rei, é escravo, não de um único homem, mas de tantos senhores quantos sejam seus vícios.” Nessa mesma perspectiva, diz o adágio popular que “o orgulho, a vaidade e o egoísmo são as chagas que corroem o espírito, prendendo-o em suas viciações”. Esse enfoque, guardadas as diferenças de tempo e espaço, nas devidas proporções culturais, aplica-se ainda nos dias de hoje.
A modernidade buscou uma abordagem dos vícios humanos ancorada numa racionalidade científica secular, objetiva e mecanicista, quase cartesiana. Algumas ciências procuraram compreender o problema do viciamento não apenas como uma questão moral, mas também como uma doença, um processo de adoecimento predominantemente individual. Carl Gustav Jung, já no século passado, afirmou que “toda forma de vício é ruim, não importa que seja droga, álcool ou fanatismo.”
Além dos vícios já conhecidos (em jogos de azar, em corrupção, em compulsão por sexo, em comprar obsessivamente, em dinheiro, em poder político, em substâncias químicas ou alucinógenas…), há alguns outros viciamentos mais contemporâneos, tais como o vício em internet, o vício em sexo virtual, o vício em TV, o vício em meio eletrônicos, dentre outros processos de viciamento mais recentes na história humana.
O fato é que os vícios acompanham a humanidade praticamente desde sempre, porém, numa clara resistência dialética de parte da mesma para superar aqueles e prosseguir amadurecendo enquanto espécie e diversidade social. A diferença talvez consista em que, no contexto atual, aonde as religiões e as tradições culturais não têm tido a mesma eficácia no controle social dos vícios, a manipulação do viciamento tornou-se um grande e lucrativo negócio, inclusive envolvendo operadores nos distintos segmentos sociais, em instituições estatais e privadas, e patrocinando organizações criminosas. Ainda assim, a proliferação da cultura de viciamento e da drogadição não se dá sem encontrar algum enfrentamento ou resistência por parte da sociedade e de ações de comunidades, em que pese esse combate encontrar-se bastante aquém da demanda real.
Nesse sentido é preciso reinventar as formas de combate ao processo cultural de viciação humana. Não se trata apenas de lidar com a drogadição ou a dependência química ou psicológica, mas alcançar também os fatores que desencadeiam processos epidêmicos de viciamento. Combater os processos de viciamento humano exclusivamente com ações repressivas e respostas encarceradoras constitui um modelo de medidas meramente paliativas, extremamente saturado, que tem resultado em crises sistêmicas mais amplas. É, como se diz no jargão popular, “enxugar gelo”.
É fundamental rever o modelo e as providências que lidam com o problema da cultura de viciação humana em nosso tempo, a fim de que a abordagem alcance efetivamente o viciado e o aprendiz de dependência, que é o mercado consumidor da economia do tráfico, e o trate de modo a contribuir para que o mesmo internalize a recomendação de Sêneca: “Procura a satisfação de veres morrer os teus vícios antes de ti.”
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