O acampamento ‘Terra Livre 2017’ reúne em Brasília, na Esplanada dos Ministérios, mais de quatro mil indígenas de todo o Brasil. Observadores do mundo inteiro estão acompanhando as diversas atividades políticas que estão realizando de forma ordeira e pacífica. O ‘Terra Livre’ é uma mobilização nacional que é realizada todo ano, a partir de 2004, para tornar visível a situação dos direitos indígenas e reivindicar do Estado brasileiro o atendimento das demandas e reivindicações dos povos indígenas.
É organizado em nível nacional pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil – APIB, que é uma instância de aglutinação e referência nacional do movimento indígena no Brasil formada pela Articulação dos Povos Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (APOINME), Articulação dos Povos Indígenas do Pantanal e Região (ARPIPAN), Articulação dos Povos Indígenas do Sudeste (ARPINSUDESTE), Articulação dos Povos Indígenas do Sul (ARPINSUL), Grande Assembleia do povo Guarani (ATY GUASSÚ) e Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB).
No final da tarde dessa terça-feira, 25 de abril, durante a realização de uma das atividades que incluía o desfile com caixões para recordar as mortes nas terras indígenas, foram covardemente atacados pela Polícia Legislativa Federal. Apenas recuaram sem revidar. Diante do fato, importante liderança indígena da Amazônia, Sônia Guajajara desabafa: “as balas de borracha e o spray de pimenta não é nada diante da violência que os povos indígenas enfrentam todos os dias nas terras indígenas onde sofrem todo tipo de ataque e assassinatos. É por isso que estamos em Brasília! Para trazer a nossa pauta que precisa estar na centralidade enquanto povos originários”, disse
Em 2015 o Conselho Indigenista Missionário – CIMI, em seu Relatório Violência contra os Povos Indígenas no Brasil, denuncia que depois de 500 anos do massacre colonizador, “nos dias de hoje, a mesma violência, genocida e impune, continua sendo praticada contra os povos indígenas “no chão”, em todas as regiões do Brasil”. Na apresentação do relatório, o então Arcebispo da Diocese de Roraima, Dom Roque Paloschi, atualmente Arcebispo da Arquidiocese de Porto Velho – RO, afirmava que “a terra, para os povos indígenas, não é um bem econômico, mas dom de Deus e dos seus antepassados; é espaço sagrado. Na cosmovisão indígena, são eles que pertencem à Terra e não o contrário, porque a Terra é mãe, é vida. Pertencer à Terra, ao invés de ser proprietário dela, é o que define o indígena. Mas esses espaços sagrados são violados por um modelo econômico homogeneizante e excludente, conduzido por pessoas que não sabem viver com honestidade, mas com extorsões e exploração, acumulando riquezas em suas casas em detrimento da vida”.
De acordo com o referido relatório, a violência contra os povos indígenas no Brasil é destaque nos relatórios da Organização das Nações Unidas – ONU, onde a relatora especial das Nações Unidas sobre os direitos dos povos indígenas, Victoria Tauli-Corpuz, denunciou em 2015 a impunidade dos crimes cometidos contra indígenas e suas lideranças no Brasil.
O recrudescimento da violência contra os povos indígenas, principalmente contra os Guarani e Kaiowá e Terena do Mato Grosso do Sul, foi tema de nota pública emitida pela Anistia Internacional em setembro de 2015. De acordo com o CIMI, a nota denuncia que “em 29 de agosto de 2015, um membro da comunidade Ñanderu Marangatu do povo Guarani Kaiowá, Simião Vilhalva, foi morto nos ataques contra a comunidade, supostamente por proprietários de terras e grupos paramilitares”.
O Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE 2010, aponta que os povos indígenas somam cerca de 896.917 pessoas, o que representa apenas 0,47% da população. O levantamento do Instituto Socioambiental – ISA, em 2013 revela que no Brasil existem 238 povos indígenas, falando 180 línguas diferentes. Uma verdadeira riqueza sociocultural e um importante recorte da sociodiversidade no Brasil. Ainda de acordo com o ISA, 98,63% da extensão das terras indígenas está na Amazônia, onde vive 60% da população indígena.
Entretanto, muitas Terras Indígenas não estão homologadas e se convertem em verdadeiras disputas judiciais. Na atual conjuntura política, mesmo as terras já demarcadas estão ameaçadas de revisão e intervenção por parte do governo que insiste na Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 215/2000, que transfere do Executivo para o Legislativo a palavra final sobre a demarcação de terras indígenas, o que representa uma ameaça aos direitos indígenas. Ou seja, nada está garantido aos Povos Indígenas. A situação é tão grave que no dia de hoje, é destaque na pauta do “Seminário da Sociedade Civil União Europeia-Brasil em Direitos Humanos”, que acontece na cidade de Bruxelas, Bélgica.
Diante da greve situação, nesta semana, de todas as partes do Brasil, as caravanas indígenas saíram em marcha para Brasília numa verdadeira lição de democracia participativa levando ao governo as suas reinvindicações.
Acampamento Terra Livre 2017, é uma mobilização nacional para cobrar direitos e políticas públicas, dentre elas a retomada das demarcações de terras indígenas, o fortalecimento de órgãos de política indigenista como a Funai (Fundação Nacional do Índio) e a Sesai (Secretaria Especial de Saúde Indígena), do Ministério da Saúde; o combate ao avanço da mineração em áreas indígenas, principalmente na Região Norte e a exigência da saída de madeireiros das áreas indígenas como ocorre no sul do Amazonas no município de Lábrea.
A reivindicações são legítimas e merecem o apoio e o respeito de toda a sociedade. Afinal, não estão pedindo nada que não lhes é de direito e que há mais de 500 anos lhes estão sendo negado. Com isso, nos dão uma verdadeira lição de democracia participativa uma vez que seu objetivo é “reunir em grande assembleia lideranças dos povos e organizações indígenas de todas as regiões do Brasil para discutir e se posicionar sobre a violação dos direitos constitucionais e originários dos povos indígenas e das políticas anti-indigenistas do Estado brasileiro”.
Marcia Oliveira é doutora em Sociedade e Cultura na Amazônia (UFAM), com pós-doutorado em Sociedade e Fronteiras (UFRR); mestre em Sociedade e Cultura na Amazônia, mestre em Gênero, Identidade e Cidadania (Universidad de Huelva - Espanha); Cientista Social, Licenciada em Sociologia (UFAM); pesquisadora do Grupo de Estudos Migratórios da Amazônia (UFAM); Pesquisadora do Grupo de Estudo Interdisciplinar sobre Fronteiras: Processos Sociais e Simbólicos (UFRR); Professora da Universidade Federal de Roraima (UFRR); pesquisadora do Observatório das Migrações em Rondônia (OBMIRO/UNIR). Assessora da Rede Eclesial Pan-Amazônica - REPAM/CNBB e da Cáritas Brasileira.
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Oi Marcia, tudo bem? Em nenhum momento tem escrito no teu texto, os povos do Xingu. Eles nao fazem parte des ta rede de articulaçao? por que? vc pode me explicar como os indios se engajam na APIB? obrigada
Estimada Clara Rosana. Obrigada por sua participação nesta coluna que está sempre aberta à participação. Muitos artigos são demandas dos grupos e comunidades com os quais atuamos. Os Povos do Xingu são parte da grande família a nossa casa comum. Peço desculpas por não os ter mencionado na sua diversidade de culturas e saberes na causa indígena que é de todos e todas nós. Caso você queira enviar algo para a escrita de um artigo pode enviar que a colheremos com todo carinho. Um grande abraço e aguardo suas contribuições para fazer constar em nossas reflexões todos os povos da Amazônia