Desde o último domingo, 17, em que o Brasil presenciou em sessão da Câmara dos Deputados a aprovação do prosseguimento do pedido de impeachment da presidente Dilma Roussef, a possibilidade de termos um novo mandatário para o mais alto cargo do Executivo se tornou algo real, e para alguns até apenas uma questão de tempo. A partir daí um pequeno setor da imprensa passou a olhar com mais atenção um documento de autoria do vice-presidente Michel Temer, que foi publicado na página do Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), no final de outubro de 2015, intitulado de “uma ponte para o futuro” a proposta apresenta em linhas gerais quais seriam as bases de um futuro governo peemedebista.
Ao se analisar os seis pontos que compõe o texto: I) um retrato do presente, II) a questão fiscal, III) retorno a um orçamento verdadeiro, IV) previdência e demografia, V) juros e dívida pública e VI) uma agenda para o desenvolvimento, percebe-se claramente a ênfase em negar quase que toda a política econômica praticada pelo Partido dos Trabalhadores (PT) desde 2002 até hoje, o que por si só já é algo contraditório uma vez que o PMDB sempre foi o maior aliado do governo durante boa parte desse período, contudo, a proposta não economiza nas críticas as gestões petistas e, principalmente, aos rumos adotados para a economia.
Ao final da leitura é fácil se perceber que o documento foi elaborado com duas intenções bem claras: a primeira é dizer ao mercado exatamente o que ele quer ouvir neste momento, que não haverá a criação de mais impostos, que o governo não pretende mais trabalhar com os indexadores previstos em lei para o aumento do salário mínimo, do salário de servidores, das aposentadorias e das pensões; a segunda intenção é assegurar aos parlamentares das duas casas (Câmara e Senado) que, no caso de uma possível administração peemedebista, a participação do Poder Legislativo na definição do orçamento será ampliada, isto porque a pretensão é de que não haja mais recursos específicos garantidos através de leis para áreas como saúde e educação. É como se a cada ano tudo começasse da “estaca zero”, tendo o orçamento que ser discutido em sua totalidade novamente com os parlamentares.
Um bom exemplo do que está em jogo caso a proposta do PMDB venha a ser implementada, é a Lei n° 11.738, de 16 de julho de 2008, conhecida como Lei do Piso dos Professores, que estabeleceu naquele ano o valor do vencimento mínimo para profissionais do magistério público que atuam na educação básica nas redes municipais, estaduais e federais, definindo também o cálculo do percentual de reajuste anual para a categoria. Esta lei tem conseguido todos os anos garantir aos profissionais da educação básica percentuais de aumento acima da inflação, o que possibilitou uma reposição salarial de 41,04% nos últimos sete anos. Contudo, o projeto de Temer é que o Congresso acabe com leis assim, que fixam gastos crescentes no orçamento; a ideia é que a cada ano se analise as contas e se veja o quanto é possível se dar de aumento, não interessando se é acima ou abaixo da inflação.
Outro exemplo é o Plano Nacional de Educação (PNE), instituído através da Lei n° 13.005, de 25 de junho de 2014, que, após passar três anos e meio tramitando no Congresso, teve sua aprovação muito comemorada por especialistas da área, fundamentalmente por conseguir garantir um investimento crescente em todos os níveis da educação, estabelecendo como meta que até 2024 o investimento anual alcance 10% do Produto Interno Bruto (PIB). Na proposta do PMDB fica claro o entendimento que leis assim engessam o orçamento porque já possuem percentuais delimitados, não possibilitando que se possa ter margem para manobras que em algum momento sejam necessárias. Veja abaixo alguns trechos do documento em que isso é defendido:
“(…) Para enfrentá-lo [o problema fiscal] teremos que mudar leis e até mesmo normas constitucionais, sem o que a crise fiscal voltará sempre, e cada vez mais intratável, até chegarmos finalmente a uma espécie de colapso (…)
(…) Foram criadas despesas obrigatórias que têm que ser feitas mesmo nas situações de grande desequilíbrio entre receitas e despesas, e, ao mesmo tempo, indexaram-se rendas e benefícios de vários segmentos, o que tornou impossíveis ações de ajuste, quando necessários. Durante certo tempo houve espaço para a expansão da carga tributária e evitaram-se grandes déficits. Como também houve um certo crescimento econômico que permitiu aumento das receitas fiscais. O crescimento automático das despesas não pode continuar entronizado na lei e na Constituição (…)”
Críticas ferozes à proposta peemedebista já começaram a tomar conta do meio educacional, apesar de a grande imprensa brasileira não ter feito questão de dar a visibilidade adequada ao documento. Para Daniel Cara, Coordenador Geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, a proposta é desastrosa para as metas do PNE. Segundo ele, o projeto apresentado por Temer está mais para ser um “atalho para o passado” do que “uma ponte para o futuro”, isto porque conduz a uma perspectiva da qual já viemos há algumas décadas, ou seja, a proposta configura-se um claro retrocesso.
Ah! E antes que esqueçamos, a “ponte para o futuro” apresentada por Michel Temer não cita em nenhum momento a possibilidade de uma reforma política, entendendo-se então que nesse aspecto tudo continuará o mesmo. O documento também não se compromete com o combate à corrupção. Por sinal, esta palavra não é nem mencionada nas 19 páginas que compõe o texto.