Nas últimas semanas, em diversas partes do Brasil, milhares de mulheres, e muitos homens também, se somaram a inúmeros atos de protesto contra a condenação da professora Eleonora Menicucci de Oliveira, Socióloga, Doutora em Ciência Política e ex-ministra de Políticas para Mulheres.
Eleonora havia sido condenada, em maio deste ano, no processo movido por Alexandre Frota, a pagar R$ 10 mil em indenização pelo fato de ter se referido ao ator como alguém que fez apologia ao estupro.
Tal condenação teve repercussão nacional e internacional. Mulheres do Brasil e de diversas outras partes do mundo entenderam aquela condenação legitimava a ‘cultura do estupro’ e representava um retrocesso na luta contra a violência às mulheres no mundo inteiro.
Considerado como um dos crimes mais covardes, praticado contra as mulheres, o estupro representa um verdadeiro atentado aos direitos humanos e uma afronta à dignidade das mulheres no mundo inteiro. Nenhuma sociedade tolera esse tipo de crime. Entretanto, o estupro tem crescido no mundo inteiro vitimando mulheres e crianças, na sua grande maioria.
O Fórum Brasileiro de Segurança Pública estima que a cada 11 minutos ocorre um estupro no Brasil. Estudos internacionais como os realizados pelo NCVS (National Crime Victimization Survey), apontam que apenas 35% das vítimas de estupro prestam queixas. E no Brasil, de acordo com o levantamento realizado pelo Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), apenas 10% dos casos de estupro registram Boletim de Ocorrência.
Muitas das vítimas não sobrevivem ao estupro, principalmente as crianças. Outras carregam sequelas físicas ou psicológicas para o resto de suas vidas. Diante deste trágico cenário brasileiro e internacional, a banalização da violência sexual contribui para aumentar os casos de estupro e dificultar ainda mais o combate a este tipo de crime tão covarde, machista e misógino.
Foi este debate que a professora Eleonora Menicucci trouxe à tona ao questionar um comentário que o ator em questão fez em 2014, num programa de entrevistas dirigido por Danilo Gentili, no SBT, confessando ter violentado uma mulher. No programa ao vivo, entrevistador e entrevistado deram risadas da situação como se fosse uma coisa banal ou uma piada da qual se ri sem sentido algum. A professora Eleonora Menicucci categorizou esse comportamento como “apologia ao estupro e legitimação da cultura patriarcal baseada no machismo e nas relações de dominação de gênero”. Sua declaração não foi leviana nem infundada. Afinal, ela é catedrática nos estudos das relações de gênero e, bem por isso, assumiu a pasta do Ministério de Políticas para Mulheres.
A condenação de Eleonora Menicucci representou um retrocesso nas políticas públicas de enfrentamento à violência contra as mulheres no Brasil. Mas, as mulheres não ficaram caladas. Desde maio e, mais expressivamente nas últimas semanas, elas foram às ruas e ocuparam as redes sociais fazendo circular a indignação com relação à “legitimação da cultura do estupro” como bem definiu Menicucci, que é autora de uma vasta obra, incluindo diversos livros e artigos científicos sobre a temática das mulheres.
De todas as partes do Brasil e de outros países surgiram eventos de solidariedade e de protesto contra tal condenação e animaram a professora Eleonora a recorrer em segunda instância. A postura de Eleonora ao recusar um ‘acordo’ proposto pelo referido ator que lhe impunha a condição de “pedir desculpas publicamente para livrar-lhe do pagamento”, elevou ainda mais o seu caráter e conferiu-lhe maior respeito da sociedade que não tolera a violência contra a mulher e muito menos a banalização de um crime tão hediondo como o estupro.
Nesta terça-feira, 24 de outubro, Eleonora Menicucci foi absolvida por dois votos a um em julgamento em segunda instância pela justiça de São Paulo. Essa absolvição representa uma grande vitória não só das mulheres, mas, de toda a sociedade que não quer compactuar com a absolvição de quem se declara estuprador publicamente e com a condenação de quem se coloca na defesa das mulheres e de todas as demais vítimas de um crime que nos envergonha a todos e todas. Queremos cantar a vitória de Eleonora Menicucci nos versos de Milton Nascimento que canta a todas as Marias conclamando: “Mas é preciso ter força, é preciso ter raça, é preciso ter gana sempre. Quem traz no corpo a marca, Maria, Maria, mistura a dor e a alegria. Mas é preciso ter manha, é preciso ter graça, é preciso ter sonho sempre. Quem traz na pele essa marca, possui a estranha mania de ter fé na vida”.
Marcia Oliveira é doutora em Sociedade e Cultura na Amazônia (UFAM), com pós-doutorado em Sociedade e Fronteiras (UFRR); mestre em Sociedade e Cultura na Amazônia, mestre em Gênero, Identidade e Cidadania (Universidad de Huelva - Espanha); Cientista Social, Licenciada em Sociologia (UFAM); pesquisadora do Grupo de Estudos Migratórios da Amazônia (UFAM); Pesquisadora do Grupo de Estudo Interdisciplinar sobre Fronteiras: Processos Sociais e Simbólicos (UFRR); Professora da Universidade Federal de Roraima (UFRR); pesquisadora do Observatório das Migrações em Rondônia (OBMIRO/UNIR). Assessora da Rede Eclesial Pan-Amazônica - REPAM/CNBB e da Cáritas Brasileira.
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