Por Guilherme Nannini, do Estadão Conteúdo
SÃO PAULO – Um relatório da SaferNet Brasil, organização não governamental de defesa dos direitos humanos na internet, revelou que 1,25 milhão de usuários do Telegram no Brasil estão em grupos que compartilham e comercializam imagens de abuso sexual infantil.
O relatório, intitulado “Em suas próprias palavras: Como o Telegram tem sido usado no Brasil como um espaço de comércio virtual por criminosos sexuais”, foi encaminhado ao MPF (Ministério Público Federal), à Polícia Federal e a autoridades francesas.
Procurada pela reportagem, a rede social não se pronunciou até o momento.
O estudo se baseou na análise de 874 links do Telegram denunciados à SaferNet por usuários da internet durante o primeiro semestre de 2024. A SaferNet verificou que 149 links (17% do total) ainda estavam ativos entre julho e setembro de 2024, com usuários e administradores cometendo crimes como compartilhamento e venda de imagens de abuso além de outros conteúdos ilícitos como pornografia gerada por inteligência artificial.
Para realizar o mapeamento, a SaferNet analisou manualmente cada link denunciado, verificando se ele ainda estava ativo, se continha conteúdo sexual (consensual, lícito ou ilícito) e o nível de atividade do grupo ou canal (número de usuários, termos e palavras-chave).
O mapeamento identificou 190 palavras-chave, acrônimos, emojis e hashtags em português, inglês e espanhol utilizados para compartilhar e comercializar materiais ilícitos. Em uma das comunidades com 200 mil usuários, a SaferNet encontrou evidências de comercialização e distribuição de imagens de abuso e exploração sexual infantil.
Líder em denúncias
O Telegram lidera o ranking de denúncias de pornografia infantil recebidas pela SaferNet e está entre os 10 domínios com mais links desse tipo de crime denunciados desde 2021. Em 2023, a SaferNet recebeu 3.274 denúncias de pornografia infantil no Telegram, um aumento de 77% em relação ao ano anterior.
A plataforma ainda enfrenta investigações em diversos países, incluindo França, Índia e Brasil. Na França, o CEO Pavel Durov foi preso em agosto deste ano por suspeita de envolvimento em crimes como tráfico de drogas e fraude. Após sua liberação, Durov anunciou que o Telegram passaria a fornecer endereços IP e números de telefone de usuários às autoridades em resposta a solicitações legais.
Apesar disso, a plataforma tem sido criticada por sua falta de transparência e cooperação com as autoridades. A rede social não divulga dados sobre moderação de conteúdo e não responde às requisições da INHOPE, associação internacional de canais de denúncia de crimes sexuais contra crianças e adolescentes na internet.
A SaferNet aponta a falta de moderação como um dos principais fatores que contribuem para a proliferação de grupos de exploração sexual infantil no Telegram. Segundo o estudo, com apenas 35 funcionários para gerenciar uma plataforma com 900 milhões de usuários, a empresa não consegue dar conta do volume de conteúdo que circula em seus servidores.
Outro ponto crítico destacado pelo relatório é a utilização de robôs para realizar pagamentos com criptomoedas dentro da plataforma. Essa prática dificulta a identificação dos criminosos e a rastreabilidade das transações financeiras, o que aumenta a sensação de impunidade e facilita a atuação de redes de exploração sexual infantil.
A ONG verificou que o Telegram utiliza 23 processadores de pagamento, a maioria deles localizados na Rússia e Ucrânia. Cinco desses processadores não tiveram sua origem identificada, e quatro já sofreram sanções internacionais.
O que pode ser feito?
Diante desse cenário preocupante, a SaferNet defendeu em seu relatório a necessidade de uma atuação conjunta entre autoridades, empresas e sociedade civil para combater a exploração sexual infantil online. A ONG destaca a importância da educação digital, da conscientização dos usuários sobre os riscos da internet e da denúncia de conteúdos ilegais.
A organização também ressaltou a importância da autorregulação por parte das plataformas digitais e da responsabilização dos provedores de serviços que não colaboram com as autoridades no combate aos crimes sexuais online.