Dentre as primeiras histórias a que tive acesso após aprender a ler, nunca esqueci de duas escritas especialmente para crianças, e que descobri pegando – escondido – os livros didáticos dos meus irmãos mais velhos. A primeira história narra uma animalesca partida de futebol entre Mamíferos e Aves. A figura de destaque do enredo é o cauteloso Morcego.
Quando as Aves mostravam sua ‘garra’ e utilizavam bem o jogo aéreo para começar a vencer, o Morcego pegava a camisa dos emplumados e ressaltava que tinha asas e sabia voar, portanto, era um passarinho.
Já quando os Mamíferos usavam o ‘peito e a raça’ para ficar à frente do placar, o Morcego mudava de uniforme e garantia que, por ter pelugem e presas, sem dúvidas, era um Mamífero. Enfim, o animal sempre ficava do lado de quem estivesse com a vantagem, mas sempre evitando tocar na bola para não se comprometer.
Até que, finalmente, os dois times percebem a ‘jogada’ do Morcego e juntos o condenam a abandonar a luz do dia, passar a viver em cavernas e locais escuros e voar apenas à noite. A outra história também tinha um fundo moral. É sobre um homem que pertencia à mesma turma do ‘Rubenilson’, música do Nicolas Júnior.
O cabra era muito preguiçoso; ficava se embalando na rede e sempre dava desculpas para não trabalhar. Caçar era muito perigoso porque ele podia se deparar com uma onça. Pescar era muito difícil e ele poderia morrer afogado. Acaso fosse plantar ou capinar, podia se machucar com a enxada ou o terçado. Ou então, o sol estava muito forte. Ou poderia chover.
As contas acumulando, a comida faltando, até que a mulher se aborreceu e declarou que, já que o sujeito não se levantava para nada, era melhor ser enterrado vivo de uma vez. E como a mente ociosa não funciona muito bem, ele achou a ideia excelente. Pensou que seria muita vantagem mesmo não precisar nunca mais se esforçar ou ter que trabalhar.
Assim, o homem pediu que fosse, sim, enterrado vivo. Quando a mulher dele contou o caso, o povo, que adora uma bagunça, rapidamente providenciou toda a operação para que o preguiçoso fosse carregado na sua rede mesmo até o cemitério.
Durante o caminho, o cortejo fúnebre ficava cada vez mais numeroso toda vez que um curioso se informava do que se tratava e resolvia participar do evento. Em certa altura do caminho, um fazendeiro com fama de generoso encontrou a multidão e indagou quem tinha morrido e de que doença. Explicaram-lhe todo o caso e ele resolveu intervir.
Como um exemplo de que a vida valia a pena, ofereceu o que tinha: um cacho de banana.
O ‘sossegado’ levantou a cabeça da rede e perguntou: ‘A banana tá com casca ou sem casca?’. Ao ouvir que estava com casca, surpreendeu: ‘Então, pode continuar o enterro!’.
Na semana passada, essas duas histórias resumiram uma manobra no futebol nacional. Por imposição da Lei do Profut, times da série B se juntariam aos da Série A para votar na eleição para a presidência da CBF. Isso significaria, na prática, que o poder sairia das Federações e iria para os clubes. Afinal, são 27 Federações e 40 clubes.
Só que o atual presidente da CBF, Marco Polo del Nero, aproveitando-se do bom momento da Seleção Brasileira, conduziu uma reunião na qual se decidiu que: os votos das Federações passariam a ter peso três na eleição. Os dos clubes da Série A dois e um para as equipes da Série B. Ou seja, unidas as Federações chegam a 81 votos contra 60 dos clubes. Assim, o destino do futebol tupiniquim continua nas mesmas mãos, algumas manchadas com pesadas denúncias de corrupção.
Tudo poderia ser evitado se clubes brasileiros não agissem como o morcego e adotassem uma posição em favor do bem do esporte. Por enquanto, muitos deles seguem ao lado dos que estão em vantagem.
É fato que lutar pelo melhor do futebol exigiria muito esforço e trabalho. Por isso, os times brasileiros aceitam ser ‘carregados’ e não demonstram disposição para lidar com certas ‘cascas de banana’. Enquanto isso, o esporte nacional segue sendo enterrado vivo.