Por Valmir Lima, da Redação
MANAUS – O governo do Amazonas comprou, ainda na gestão do ex-governador Omar Aziz (PSD), uma série de equipamentos de última geração para diagnóstico de doenças que até hoje estão parados nas unidades de saúde do Estado. A compra, feita por licitação (Pregão Eletrônico 658/2012), custou R$ 16.263.050,00 aos cofres do Estado. Fechado em novembro de 2012, o contrato começou a ser pago ainda naquele ano e foi concluído em 2013. Os equipamentos foram entregues, mas nunca chegaram a ser utilizados, porque a Susam (Secretaria de Estado de Saúde) não comprou os reagentes para fazer as máquinas funcionarem.
São 69 unidades de três máquinas da fabricante francesa Biomérieux (a Bact Alert 3D; a Tiket 2 e a Mini Vidas). De acordo com o Portal da Transparência do governo do Estado, no item “pagamentos”, os equipamentos foram distribuídos para unidades de saúde da capital e do interior do Estado: Manacapuru, Itacoatiara, Tabatinga, Tefé, Parintins, Humaitá, Eirunepé e Lábrea.
As maquinas poderiam, por exemplo, revolucionar e agilizar o diagnóstico e baratear os custos de exames realizados pela rede pública de saúde, que atualmente são feitos por empresas privadas. A reportagem apurou que alguns exames poderiam custar até 200% mais barato do que os que o governo paga para laboratórios privados. Uma hemocultura, por exemplo, que o governo paga R$ 300 para um laboratório privado, poderia ser feito por R$ 68 se fossem usados esses equipamentos.
Silêncio total
A reportagem tentou, por mais de uma semana, contato com os responsáveis pela compra dos equipamentos, sem sucesso. Primeiro, tentou uma entrevista com o presidente da FVS (Fundação de Vigilância em Saúde), Bernardino Albuquerque. A assessoria dele pediu que fosse enviada a solicitação de entrevista por e-mail, o que foi feito, mas não houve qualquer resposta.
Na segunda-feira, 4, a reportagem conseguiu falar com o secretário da Susam, Pedro Elias de Souza, que prometeu agendar uma entrevista. Ele disse que a secretaria dele ligaria para informar o horário. Não ligou. Por mensagem, a reportagem tentou novo contato. Pedro Elias disse que precisava de mais detalhes sobre os equipamentos. O AMAZONAS ATUAL encaminhou, então, os nomes dos equipamentos adquiridos e número do pregão eletrônico (licitação). O secretário disse que teria, primeiro, uma reunião com a FVS, “por onde esse processo foi conduzido”, segundo ele, e depois falaria com a reportagem. Na quinta-feira, a assessoria de Pedro Elias ligou para a redação e informou que enviaria uma nota sobre os equipamentos. A reportagem ainda insistiu na entrevista, mas a assessoria não deu resposta sobre uma novo solicitação que prometeu fazer.
A nota da Susam
Na nota, a Susam informa que os referidos equipamentos foram adquiridos com a intenção de montar uma rede de laboratório para auxiliar no diagnóstico às doenças, mas faltou dinheiro para fazê-la funcionar. “Os aparelhos foram recebidos no início de 2014. Foi feita uma ata de registro de preços para a compra de insumos (os kits laboratoriais necessários para colocar em funcionamento os equipamentos), que não foi viabilizada por falta de recursos”.
Ainda segundo a nota, Pedro Elias de Souza retomou o projeto e já estabeleceu com a FVS (Fundação de Vigilância em Saúde) um cronograma, a partir deste ano, para viabilizar a implantação da rede, com a aquisição de insumos que permitam instalar, a curto prazo, equipamentos em seis unidades de referência em Manaus – Fundação Hospital Adriano Jorge, Pronto-Socorro 28 de Agosto, Fundação do Coração Francisca Mendes, Fundação Cecon, Pronto-Socorro João Lúcio e Laboratório Central (Lacen).
No interior, segundo a Susam, o primeiro município a se integrar à rede será Tabatinga. “Pedro Elias ressalta que os aparelhos estão conservados e preservados e que não há prejuízos no atendimento à população, uma vez que esses exames são ofertados na rede estadual de saúde. Com a implantação dos equipamentos, segundo ele, a capacidade será ampliada”, diz a nota.
O que cada um faz
O Bact Alert é um equipamento com um sistema de detecção microbiana automático, capaz de detectar as contaminações por bactérias, leveduras e mofos em uma ampla gama de matrizes de alimentos e bebidas. Nos hospitais, por exemplo, é capaz de incubar e detectar simultaneamente a contaminação em 240 amostras individuais, o que daria agilidade, por exemplo, no diagnóstico de bactérias em exames de sangue.
O Vitek 2 é um equipamento capaz de fazer a identificação microbiana e testes de sensibilidade aos antibióticos. Com isso, ele fornece informações corretas de respostas clínicas específicas, com resultados rápidos e precisos, inclusive com a indicação de medicamento na dose certa para combater a doença.
O Mini Vidas processa testes individuais de amostra e de lote para todos os tipos de análise: sorologia, imunoquímica, detecção de antígeno. De acordo com a fabricante, são mais de 100 parâmetros em formato de um único teste para o diagnóstico de doenças cardiovasculares e infecciosas, câncer, infertilidade, gravidez, doenças tireoidite e alergias.
Comprou por quê?
A nota da Susam não responde a uma pergunta que a reportagem tentou fazer ao secretário Pedro Elias, apesar de não ter sido ele o responsável pela compra: por que o governo comprou os equipamentos em uma época em que muita gente no governo entendia que o Estado não tinha tecnologia e nem capacitação técnica adquirida?
Outro contrassenso está na resposta da própria Susam: se os equipamentos só chegaram no início de 2014, por que o governo pagou a maior parte do contrato em 2012 e 2013. No primeiro ano, a Susam pagou R$ 1,1 milhão à empresa Bio Medical Comércio, Representação, Importação e Exportação Ltda., vencedora da licitação, No segundo ano (2013) foram pagos R$ 11,8 milhões. E em fevereiro de 2014, o governo pagou o restante: R$ 3,3 milhões.
TCE suspendeu licitação
O Tribunal de Contas do Estado, em 2012, chegou a suspender a licitação para a compra dos equipamentos. Com base no voto do relator, o auditor e conselheiro substituto Alípio Firmo Filho, o TCE acatou representação dos deputados Luiz Castro (Rede), José Ricardo (PT) e Marcelo Ramos (agora ex-deputado – PR), suspendeu o processo e deu prazo de 15 dias para que então secretário da Susam Wilson Alecrim, apresentasse documentos que comprovassem a demanda dos equipamentos, assim como a estrutura física e pessoal capacidatado nas unidades de saúde para onde seriam destinados os produtos.
O processo foi liberado depois, mas não houve divulgação da medida pelo TCE, como houve por ocasião da concessão de medica cautelar. A compra foi feita, mas os equipamentos estão há mais de três anos parados nas unidades de saúde.