Por Valmir Lima, da Redação
MANAUS – SOS é um trabalho da artista Cristina Saraiva, e a música que abre e fecha o disco, SOS Amazônia, tem a participação – cantando – do delegado da Polícia Federal Alexandre Saraiva, ex-superintendente da PF no Amazonas. Em 2021, ele apresentou notícia-crime no STF (Supremo Tribunal Federal) contra o então ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles. Por conta disso, foi transferido para o Rio de Janeiro.
Cristina Saraiva, apesar do nome, não é parente de Alexandre Saraiva. Ela veio apenas uma vez ao Amazonas, acompanhando um quarteto de amigos e parceiros que se apresentaram em Manaus, mas é uma apaixonada pela Amazônia e atuante defensora da maior floresta tropical do mundo. E faz essa defesa, principalmente, através de sua arte.
SOS Amazônia nasce do amor pela região e da indignação pelos sinais emitidos pelo governo central de que o crime está permitido na Amazônia, diz Saraiva. Especificamente, a música foi inspirada no trabalho de Alexandre Saraiva, que, como Bruno Pereira e Dom Phillips, colocam a carreira e a vida em risco na defesa da região.
A letra da canção com uma forte mensagem pela preservação da Amazônia e de demonstração de coragem por denunciar a violência e a criminalidade deixa a impressão de que foi feita para este momento em que o mundo assiste estarrecido as notícias sobre as mortes do indigenista Bruno Pereira e do jornalista britânico Dom Phillips.
“Talvez pareça que foi feita para esse momento porque, na verdade, SOS Amazônia foi composta ano passado, em um contexto parecido, para uma pessoa que, assim como Dom e Bruno, tem colocado sua carreira – e sua vida – em risco na defesa da Amazônia”, afirma Cristina, em entrevista ao ATUAL.
Ela explica que a canção foi inspirada no delegado Alexandre Saraiva, que “segue denunciando a ação do crime – mais ou menos organizado – na região, inclusive com a complacência – ou apoio- de autoridades”.
Cristina Saraiva lembra que o assassinato de Dom e Bruno chocou o país inteiro – e a comunidade internacional – mas não foram os únicos. Ela diz que enquanto o governo se comportar como aliado dos criminosos e aplicando punições a quem combate o crime, nada vai mudar na região.
“Receio que assistiremos a muitos outros. A região, por sua extensão e difícil acesso, já não conta muito com a presença do estado. Agora, quando o governo começa a emitir sinais de que a criminalidade está permitida, quando transporta garimpeiros em aviões da FAB [Força Aérea Brasileira], quando enaltece os criminosos e pune quem defende a legalidade, quando desmonta as instituições como Ibama e ICMBio, quando põe na presidência da Funai alguém que odeia indígenas e protege garimpeiros, aí temos um quadro de uma gravidade ímpar. Um quadro aterrorizante. É a legitimação da violência e do crime. Esses sinais são bem compreendidos, e o crime se sente em casa”, afirma Cristina Saraiva.
Para Saraiva, seria urgentíssimo que essa situação parasse imediatamente, mas ela afirma que enquanto o governo não mudar, não mudará a política e não mudarão os sinais emitidos.
“Muitos ainda estão em risco. Muitos ainda morrerão. E é devastador imaginar que pessoas que dedicavam suas vidas à defesa dos indígenas e à preservação da Amazônia sejam simplesmente assassinadas. Eu realmente receio que SOS Amazônia siga atual por muito tempo. E receio que muitas outras canções ainda precisarão ser escritas”, disse.
Parafraseando Bob Dylan , fico me perguntando quantas SOS Amazônias ainda precisarão ser escritas até que a gente comece a escutar, e a mudar a forma como encaramos aquela – e outras regiões do Brasil.”
Cristina Saraiva
Cristina Saraiva considera a Amazônia uma região vital e emblemática, mas diz que não é o único bioma que sofre sob ação (des)humana, e é devastado.
“Atualmente, não apenas nossos biomas estão sendo destruídos. A sociedade brasileira passa por um momento grave, e o país parece estar inteiramente na mão de criminosos. O SOS que deveríamos emitir, na realidade, é um SOS Brasil!”
O disco SOS
O CD SOS, com 11 faixas, ficou pronto neste mês e as músicas estão disponíveis nas plataformas de streaming.
Cristina Saraiva explica que SOS Amazônia, a canção que abre e fecha o disco (com sua versão em português e sua versão em inglês) foi escrita e gravada no ano passado e lançada como single. As demais canções, foram gravadas no início deste ano.
“Três delas são canções inéditas (Labaredas, Pra quem virá e Canto de Guerra), feitas para esse nosso (tenebroso) momento. As demais são regravações de músicas antigas minhas com parceiros variados, além de dois clássicos da música brasileira e que se enquadravam perfeitamente no projeto – Passaredo, do Francis Hime e Chico Buarque, e Matança, do Augusto Jatobá”.
A música SOS Amazônia é interpretada por Simone Guimarães e Alexandre Saraiva.
A carreira
Cristina Saraiva começou a carreira artística em 1995. Ela quase não canta as próprias músicas e dispensa o título de compositora. Praticamente não toca instrumento e diz não saber compor melodias
“Na verdade, sou apenas letrista. Gosto é de colocar letra nas melodias que recebo dos parceiros. Tenho muita dificuldade de escrever sem ter a melodia”.
Ela contou que como foi o processo de criação de SOS Amazônia.
“Mandei uma mensagem pra minha parceira Simone Guimarães, disse que precisava absolutamente escrever sobre a Amazônia e sobre a atitude do delegado da PF – destoando totalmente da omissão e estado de letargia generalizado nas instituições diante dos absurdos cometidos pelo governo. Em alguns dias ela me mandou a música e mais alguns dias a letra estava pronta”.
SOS é o oitavo CD autoral de Cristina Saraiva. Mas em um único disco – O Viajante – ela canta.
“Na verdade, não canto, ou pelo menos, não sou cantora. Aqui e ali me arrisco dividindo uma faixa, faço uma segunda voz, uma dobra”.
Cristina afirma que para um compositor não há maior prazer do que ouvir sua música bem interpretada.
“Tenho sorte de poder contar com alguns dos maiores intérpretes que conheço – nem vou enumerar aqui pra não ser injusta porque são muitos, e maravilhosos. Então, prefiro deixar as vozes com eles e elas, que conseguem dar alma ao que eu escrevi”.
Defesa do maio ambiente
As ações de Cristina Saraiva em defesa do meio ambiente e da Amazônia não são novas. Ele contou ao ATUAL que aos 18 anos, no Rio de Janeiro, já fazia parte de um grupo chamado CDA (Comitê de Defesa da Amazonia) e do CPI (Comitê Pró-Índio).
“É que apesar de carioca, sempre tive profunda ligação com a natureza, com as matas e florestas. Não por acaso, há 12 anos moro em um sítio no interior de São Paulo, onde me interessei ainda mais pelas questões ambientais. Inclusive, por alguns anos, fui do Conselho do Meio Ambiente da minha cidade”, relata.
Antes de migrar para o interior paulista, Cristina Saraiva já havia morado uns anos na região serrana do Rio de Janeiro. “Cidade não é pra mim”, diz.