Por Ivan Finotti, da Folhapress
MADRI – Com uma legislação que prevê penas de 1 a 4 anos de prisão a quem comete atos racistas, juristas espanhóis defendem que as autoridades se concentrem em definir duras punições esportivas aos autores de ofensas em estádios de futebol.
Especialistas espanhóis ouvidos pela reportagem disseram acreditar que o caso de Vinicius Junior deve ser resolvido no âmbito desportivo, e não no penal. Ambos acreditam que, na prática, banir os torcedores dos estádios seria mais efetivo do que brigar por condenações na Justiça por crimes de ódio, que é onde se encaixa o racismo na legislação espanhola.
“Na minha opinião, o caso do Vinicius é uma questão dos estádios de futebol. Acho que seria mais contundente, em vez de remeter ao Código Penal. Me parece mais eficaz aplicar uma multa e proibir um torcedor de entrar em um estádio de futebol do que impor uma pena de prisão que não vai ser cumprida”, afirmou o magistrado Ignacio González Vega, especialista em código penal e membro do grupo Juízes pela Democracia.
Questionado sobre o porquê de a prisão não ser cumprida, Vega respondeu: “Bem, porque, talvez, seja o primeiro crime que a pessoa cometa. Então, se for uma pena menor que dois anos, a execução da pena poderia ser suspensa”.
De fato, o crime de ódio na Espanha prevê uma pena de 1 a 4 anos de prisão para “aqueles que publicamente encorajam, promovem ou incitam ao ódio (…) contra uma pessoa específica em razão de: (…) motivos racistas”.
Mesmo assim, ainda há margem para prisões, que não acontecem. Chama a atenção que, nesta terça (23), a polícia tenha prendido quatro torcedores acusados de envolvimento no caso do boneco pendurado em uma ponte de Madrid com o uniforme de Vinicius Junior. O caso aconteceu em janeiro deste ano e estava em investigação desde então, sem que ninguém houvesse sido detido.
Foram detidos ainda outros três suspeitos de ofender o jogador na partida de domingo (21), contra o Valencia – ocasião em que o mundo se voltou para cobrar medidas efetivas da Espanha.
“Bem, certamente agora eles foram instruídos a agir nesse caso”, admite Vega. “Sim, provavelmente haviam deixado passar o caso do boneco e agora, quando saiu outra notícia, prenderam esses cidadãos. É verdade que isso dá o que pensar. O boneco é de vários meses e por que agora proceder à prisão dos supostos autores? É verdade que isso não contribui muito para uma boa imagem da Espanha, da polícia e das autoridades espanholas. Concordo com você que não parece bom. Deveriam ter agido na época e não agora”.
Especializado em direito desportivo e professor de filosofia do direito da Universidade de Pompeu Fabra, de Barcelona, o professor Alberto Carrio Sampedro também não aposta nas vias penais. Mesmo que condene veementemente o racismo, ele acredita que a saída para o problema está na educação.
“Um estádio de futebol não é um lugar onde você está livre das responsabilidades legais que todos devemos cumprir. Creio que a melhor solução que podemos esperar da legislação, tanto das medidas administrativas como judiciais que penalizam este tipo de comportamento, é que se eduque verdadeiramente a população para que isso não volte a acontecer”, disse.
O fato é que mesmo que a entidade que organiza o campeonato espanhol denuncie casos, eles andam de forma morosa pela Justiça espanhola. Nesta terça (23), essa instituição, a LaLiga, afirmou que busca mais poderes de punição, como a proibição do acesso nos casos de sócios/torcedores e aplicação de sanções financeiras.
“LaLiga se sente tremendamente frustrada pela falta de sanções e condenações por parte dos órgãos esportivos disciplinares e das administrações públicas e judiciais às quais a LaLiga envia as denúncias”, disse a entidade em nota.
A própria entidade apontou que, desde a criação do Departamento de Integridade e Segurança da Liga, na temporada 2015/16, foram identificados 13 casos de incidentes/atos racistas. Destes, 9 tinham Vinicius Junior como alvo. A maioria, sem qualquer punição até hoje.
Em outros países da Europa, o racismo parece estar sendo combatido de forma mais eficiente pelas entidades esportivas, ainda que prisões sejam raras. Segundo reportagem do diário espanhol El País, na Alemanha, após o zagueiro Jordan Torunarigha ser insultado com gritos que imitavam os de um macaco, a Federação Alemã de Futebol multou o time adversário em 50 mil euros (R$ 268 mil). Em 2021-2022, 911 jogos foram suspensos no país em todas as categorias, um número recorde, devido a incidentes violentos ou discriminação.
A Premier League, da Inglaterra, lançou há pouco mais de dois anos, uma iniciativa chamada No Room for Racism Action Plan (plano de ação sem espaço para o racismo). Estatísticas anuais indicam que, durante a temporada 2021-22, o número de reclamações feitas por torcedores que testemunharam pessoalmente comportamentos abusivos nos estádios ingleses aumentou 41%.
Darren Moore, do Grupo Consultivo para Participantes Negros da Premier, afirmou no ano passado que “temos visto progressos nos últimos 12 meses no combate à discriminação ou na criação de mais oportunidades para jogadores e treinadores vindos de grupos com pouca representatividade no futebol profissional”.
O código desportivo francês prevê um ano de prisão e multa de 15 mil euros (R$ 80 mil) para quem incitar os espectadores a odiar o árbitro, um jogador ou qualquer pessoa ou grupo. Além disso, em 2019, a Liga de Futebol Profissional e a Liga Internacional contra o Racismo e o Antissemitismo abriram um site para que vítimas e testemunhas denunciem anonimamente atos de racismo, antissemitismo, sexismo e homofobia.
Crarrio Sampedro lembra que dar poderes à LaLiga não é tão simples, pois a organização nada mais é do que uma entidade privada que gere a organização do campeonato espanhol. “Se forem sanções dentro do campo esportivo, no sentido de competências para fechar um estádio ou proibir a entrada dessas pessoas, parece-me bom que LaLiga possa ter algum tipo de poder nesta área”, disse o professor de filosofia do direito.
“Mas, se estamos falando de outros tipos de sanções, como a imposição de multas diretamente às pessoas ou impor outro tipo de medidas, como a privação de liberdade, isso não poderia ser, pois LaLiga é uma entidade privada e não pode ter poderes nesta área. É para isso que servem os tribunais de justiça, que são os que apuram responsabilidades”.