Por Paula Sperb, da Folhaprress
PORTO ALEGRE-RS – Os números no vermelho fazem com que o resultado da economia nos primeiros seis meses do ano seja visto como um semestre perdido. Enquanto o desempenho da indústria da maioria dos estados é negativo, incluindo os mais industrializados, um sinal verde pode ser visto no sul.
Nos últimos 12 meses, a indústria gaúcha registrou uma variação positiva de 8,4%, segundo a Pesquisa Industrial Mensal (PIM) Regional, do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), mais recente. O número destoa dos demais estados. No Sudeste, São Paulo teve queda de 2,2%, Rio de Janeiro, de 1,1% e Minas Gerais, de 3,3%.
Mesmo entre os resultados positivos dos vizinhos sulistas, o desempenho gaúcho se destaca. Foi o dobro do Paraná (4,8%) e Santa Catarina (4,4%). A explicação para o crescimento da indústria do Rio Grande do Sul, em um cenário de desolação generalizada, pode ter endereço: Caxias do Sul, cidade que abriga algumas das maiores empresas do país, como Randon e Marcopolo, e carrega uma tradição ligada ao empreendedorismo.
A atividade industrial impactou o PIB do estado. No primeiro trimestre do ano, a alta foi de 0,9% comparada ao primeiro trimestre passado. Quase o dobro do desempenho do Brasil (0,5%) nos primeiros três meses do ano. A indústria foi o setor que mais ajudou o PIB gaúcho, com variação de 5,6% no mesmo período.
“A gente está vibrando. Percebemos que a nossa economia cresce mais que a brasileira. O governador Eduardo Leite (PSDB) tem sinalizado que é amigável a investimentos e ao setor produtivo, o que gera entusiasmo”, diz Leany Lemos, secretária de Planejamento, Orçamento e Gestão, ao citar privatizações encaminhas no setor energético e ajuste fiscal.
A indústria metal mecânica de Caxias do Sul tem como vocação o setor automotivo, especialmente de veículos pesados. A área é uma das mais sensíveis às oscilações econômicas. Com consumo e produção em baixa, menos caminhões são necessários para transportar mercadoria e menos ônibus são precisos para levar pessoas de um lado ao outro.
“Normalmente, a indústria caxiense entra primeiro em crise, mas também sai primeiro”, explica a economista Maria Carolina Gullo, do Ipes (Instituto de Pesquisas Econômicas e Sociais) da UCS (Universidade de Caxias do Sul). Para exemplificar, entre 2013 e 2017, cerca de 20.000 postos de trabalhos foram fechados na região. Mas já foram recuperadas 5.000 vagas, explica Gullo.
Durante a pior recessão do país, a Randon chegou a ter a maior parte de sua capacidade instalada completamente ociosa. “Com a queda no PIB, há menos demanda e o transporte é o que mais sofre. O pessoal não compra caminhão, não compra carreta, e aproveita ao máximo o produto que já tem”, relembra Daniel Randon, presidente das Empresas Randon, sobre uma fase ruim que dá indícios robustos de ter sido superada.
Isso porque a Randon teve faturamento líquido de R$ 2,4 bilhões no primeiro semestre de 2019, um crescimento de 25,5% em relação ao mesmo período do ano passado. Um dos fatores que explica esse crescimento é a busca por caminhões pesados.
“O Brasil tem tido mais produtividade do campo, com previsão de safra recorde de grãos. Por isso o mercado de caminhões pesados e semirreboques está voltando ao patamar pré-crise”, explica o presidente. Para a economista da UCS, um dos fenômenos que explica a procura pelos caminhões foi a greve dos caminhoneiros e a tabela de frete. “Alguns empresários entenderam que era melhor montar a sua própria frota e entregarem elas mesmas os produtos, então buscaram esses produtos”, analisa Gullo.
Mesmo na crise, a Randon investiu no próprio negócio, se aproximando de startups para criar soluções e gerar resultado. Pelo menos 15 funcionários trabalham em coworking ligados a 30 startups. A iniciativa é parte do projeto Hélice, em parceria com outras empresas, um indicativo da mentalidade de rede e protagonismo pregada pelo presidente da Randon.
A Marcopolo, também de Caxias do Sul, é outra integrante do projeto colaborativo. Os resultados da indústria, que comemora 70 anos, igualmente têm ajudado a impulsionar o desempenho industrial gaúcho. A Marcopolo teve um aumento de 9,9% na receita líquida no primeiro semestre deste ano, se comparada ao mesmo período de 2018. A receita é de R$ 2,040 bilhões.
Segundo Rodrigo Pikussa, diretor da área de Negócio ônibus, a demanda da Marcopolo vem especialmente do mercado interno. “A maioria das vendas é feita para empresas. São operadoras privadas dos sistemas de transporte municipal”, explica Pukissa, sobre a busca por modelos urbanos. São os ônibus que levam passageiros pagantes para o trabalho, aula e de um lugar para outro nas cidades.
Na crise, muitas empresas de transporte evitaram renovar suas frotas. “Passamos um período muito ruim. As frotas envelheceram, os custos de manutenção começam a subir e é mais vantajoso substituir por um novo. Mas tem também elação com a o ambiente de retomada de confiança em investimentos, alguns empresários entendem que já dá para voltar a investir”, diz Pikussa.
A Marcopolo também atende o setor público. No primeiro semestre foram vendidos 1.314 ônibus para o projeto Caminho da Escola. Tanto Randon como Marcoplo sentiram o impacto das vendas para a Argentina, que está em crise, mas ambas mantêm o equilíbrio compensado com exportações para outros países e tiram vantagem do dólar alto. A atividade industrial impactou o PIB do estado.
No primeiro trimestre do ano, a alta foi de 0,9% comparada ao primeiro trimestre passado. Quase o dobro do desempenho do Brasil (0,5%) nos primeiros três meses do ano. A indústria foi o setor que mais ajudou o PIB gaúcho, com variação de 5,6% no mesmo período.
O estudo de julho sobre a economia de Caxias do Sul, feito pelo Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) em parceria com a CIC (Câmara de Indústria e Comércio), reflete os números das maiores empresas. O índice do desempenho industrial acumulado dos últimos meses é de 5,8%. Embora todos números locais sejam favoráveis, Gullo vê uma tendência de estagnação.
“Essa volta da economia também está ligada à necessidade de reposição. Isso tem um limite. Uma empresa com uma frota de cem caminhões, por exemplo, pode substituir vinte deles. Mas se vai efetivamente aumentar a frota de cem para 120, depende de uma melhora na economia como um todo para que decida se vale a pena investir”, explica a professora.
No quesito consumo, a tendência também é de estagnação na região, diz a economista. “Quando tem processo de demissão em massa em função de crise, os trabalhadores são demitidos recebendo um valor. Quando o mercado volta a contratar, contrata por menos do que aquele que ele demitiu. Então, a renda do trabalhador diminui. A diferença entre o salário de demissão e admissão pode chegar a 30%”, diz Gullo.