Da Folhapress
SÃO PAULO – Faltavam dois meses para o início da temporada de 1992 da F-1 quando a pilota Giovanna Amati recebeu o convite para correr pela Brabham. A proposta veio do dono da equipe, o inglês Bernie Ecclestone –o mesmo que mais tarde seria presidente da categoria.
Naquele momento, a italiana, então com 34 anos, realizava um sonho que começou a cultivar na infância.
“Só esqueceram de mencionar que o time estava quebrado”, afirma Amati à reportagem.
O modelo BT60B, com o qual a escuderia inglesa competia, não tinha condições de brigar por vitórias e, às vezes, nem mesmo de disputar as corridas. “A equipe nem chegou a terminar a temporada. Foi uma frustração enorme. Meu carro era muito ruim”, diz ela, que tentou competir nos GPs da África do Sul, México e Brasil, cuja edição 2019 acontece no domingo, 17.
Em 1992, a F-1 tinha 16 equipes e mais de 30 pilotos –hoje são 10 times e 20 competidores. Nem todos se classificavam para as corridas, que tinham treinos para definir os 26 que iriam correr no domingo. Amati não conseguiu se classificar para nenhuma das três corridas que tentou. Ela abandonou o Mundial antes do quarto GP, na Espanha.
Os problemas com o carro da Brabham não foram a maior adversidade encarada por ela. Quinta mulher na história a chegar à principal categoria do automobilismo, diz ter sido vítima de preconceito, principalmente por parte dos demais pilotos.
“Sempre tive de lutar para encontrar meu caminho. Era subir a ladeira o tempo inteiro”, conta Amati.
Entre os 34 pilotos que competiram naquele ano, a italiana afirma que somente Ayrton Senna, então na McLaren, foi receptivo com ela.
“Senna foi a pessoa mais agradável que encontrei na F-1. Todos os outros que competiam comigo olhavam para o outro lado. Não me viam como competidora.”
O sexismo nas pistas não era novidade para Amati.
Antes de chegar à F-1, a italiana passou pela Fórmula Fiat, Fórmula Ford, Fórmula 3 e Fórmula 3.000. Ela diz que os adversários chegavam a ser desleais com ela durante as corridas nessas categorias.
“Se você não é bom piloto, eles (adversários) não se importam. Mas se você é mulher, eles ficam loucos”, diz. “No meio de um monte de pilotos, estava a Giovanna. Eles tinham de ser durões. Várias vezes bateram no meu carro para não me deixar passar”, afirma a italiana.
Ela não se abatia. Lidar com os “durões” da F-1 não parecia um desafio maior do que o trauma que sofreu na infância, quando foi sequestrada na Itália. Filha de um bem-sucedido industrial, passou três meses em um cativeiro até ser libertada com o pagamento de um resgate.
A superação de Amati até chegar à principal categoria do automobilismo nunca mais foi repetida. Desde então, nenhuma mulher correu na categoria. Algumas tiveram oportunidades de atuar como pilotas de testes, mas não chegaram a ser efetivadas.
Democratizar o campeonato mundial está entre as metas da Liberty Media, empresa americana que comprou o controle da categoria no fim de 2016. Por enquanto, porém, as ações do grupo têm como objetivo apenas atrair mais público, sobretudo os jovens.
Não há iniciativas para incentivar o acesso das mulheres ao grid. Em 2015, Bernie Ecclestone, ex-chefe da F-1, sugeriu a criação de um campeonato feminino. A proposta foi criticada na época por algumas competidoras, como a escocesa Susie Wollf, então pilota de testes da Williams.
“Corri toda minha carreira como uma competidora normal. Por que eu me interessaria por uma corrida onde eu esteja competindo apenas contra outras mulheres?”, questionou Wollf.
Amati também gostaria de ver mais mulheres na F-1. No entanto, é reticente à ideia de incentivos para mulheres. “A F-1 é a melhor categoria, mas se democratizar, não será mais. Você não pode dizer: ‘Temos dez vagas, 5 serão de homens, 5 de mulheres’.”
Ela está atenta às transformações pelas quais o Mundial passou desde que os americanos assumiram o controle, em 2016, como a extinção das grid girls, modelos que circulavam entre os carros.
Ao anunciar a mudança, a F-1 justificou que “esse costume não ressona com nossos valores e está em desacordo com as normas sociais dos dias modernos”. “É uma atitude de jardim da infância isso [retirar as grid girls]”, diz a Amati.