Jullie Pereira, especial para o ATUAL
MANAUS – Os eleitores no interior do Amazonas enfrentaram longas viagens para votar neste domingo (6). A seca severa dificultou a vida de comunidades ribeirinhas que dependem dos rios. Em lugares em que o rio desapareceu, apenas filetes em córregos foram usados para o deslocamento com canoas. Em outros, a opção foi andar em terra firme.
Em Eirunepé, a 1.159 quilômetros de Manaus, o secretário da Defesa Civil, Benedito Rondinelli, informou que foi necessário deslocar embarcações para resgatar pessoas que sofreram naufrágios. Com a água muito baixa, aparecem bancos de areia, grandes rochas, árvores e galhos que geram perigo aos navegantes.
“Ocorreram naufrágios de barcos que tentavam chegar ao município, eles bateram em tocos e paus que furaram os barcos, mas a gente conseguiu trazer as pessoas com vida, ninguém se feriu e estão todos aqui para votar”, disse Rondinelli.
A cidade é banhada pelo Rio Juruá, que nesta semana atingiu 5,22 metros, de acordo com o Corpo de Bombeiros. Em época de cheia, o rio chega a medir 13 metros de profundidade. Hoje, Eirunepé há 49 comunidades isoladas pela seca, nove delas de povos indígenas.
Desde a semana passada os comunitários estavam tentando chegar ao município para se deslocarem no dia da eleição. Quem preferiu deixar para hoje foi prejudicado. “O rio secou, estamos nessa guerra para auxiliar ao máximo. O esforço dos ribeirinhos foi bem maior do que o nosso, eles estão andando a pé e enfrentando o rio seco”, disse Rondinelli.
Em Manaus, o Rio Negro atingiu a cota de 12,66 m, a menor registrada pelo SGB (Serviço Geológico do Brasil), que faz o monitoramento desde 1902.
A aposentada Maria dos Santos, de 64 anos, saiu às 5h da manhã da Comunidade Julião, situada na Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Tupé, a 25 km da capital, e chegou na cidade quatro horas depois. Ela vota na zona oeste e ainda pegaria o ônibus do transporte público para chegar ao local.
“Foi muita dificuldade porque a gente tem que andar no seco. Para quem já tem uma idade é complicado, mas a gente tem que votar né, a vida da gente é essa. Enquanto estamos vivos, tem que continuar”, disse ao ATUAL.
Mais eleitores, mais dificuldades
O número de eleitores no Amazonas cresceu 10% desde a última eleição municipal, saindo de 2,5 milhões em 2020 para 2,7 milhões em 2024. A maioria das urnas está na capital, que tem 3,9 mil locais de votação, enquanto o interior tem 4,01 mil. Em Alvarães, distante 513 km de Manaus, onde existem 11,3 mil eleitores, os ribeirinhos que vivem próximos à cidade se deslocaram em viagens com duração de uma hora.
O ribeirinho Jociclei Oliveira fez viagem numa rabeta (embarcação de menor porte) com a mãe de 68 anos e o pai de 60 anos. Para sair da comunidade Boca do Mamirauá, onde ele vive, foram necessários 10 litros de gasolina que custaram R$ 76 reais. O local fica às margens do Rio Amazonas, que atingiu 2,16 m neste domingo. “Tá muito difícil pra ir e muito difícil pra voltar também, mas o tamanho da multa é alta, eu já faltei na outra eleição então tive que vir esse ano”, disse.
Em vídeo enviado ao ATUAL, Jociclei mostra como o rio está estreito e como só é possível navegar com embarcações pequenas. Sem cobertura na rabeta, a família enfrenta o sol e os ventos de areia, e o condutor precisa ser rápido para evitar as pedras.
No município do Careiro, as comunidades isoladas que vivem nos ramais da BR-319 também estão enfrentando dificuldades. Além da estrada de terra, aqueles que vivem às margens dos lagos também precisam seguir andando parte do trajeto.
A presidente da comunidade São José, Lilian da Silva, está preocupada com os moradores. “Eu resido no ramal que é asfaltado, dessa maneira se torna acessível, porém quem mora no lago que fica no final do ramal está difícil o acesso”, conta.
Impacto previsto
Dos 1.158 mil locais de votação, em 263 deles estava previsto algum tipo de dificuldade para. ser acessado, de acordo com levantamento do TRE. São 120.381 eleitores afetados em níveis diferentes, considerando moderado, que inclui maior tempo de deslocamento; severo, que indica necessidade de deslocamento por outros meios, como caminhada; impeditiva, cujas seções podem ficar completamente isoladas.
Em entrevista concedida em agosto deste ano, a ministra Cármen Lúcia, presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), disse que a situação da seca a preocupava muito. “A estiagem no Amazonas está me deixando sem dormir, porque posso levar a urna, posso levar o mesário ou a mesária, mas o eleitor tem que poder sair da sua casa para votar, para participar nesse dia festivo”, disse.
(Colaborou Feifiane Ramos)