Chama atenção a rapidez com que politizaram os “rolés” e “rolezinhos” no sul país, após a reação dos shoppings centers aos mesmos.
Antes, rolé era um simples giro, um passeio, uma volta para curtir ou zoar (paquerar, dar uma pinta com roupas e acessórios de marca etc) na área. Nos shoppings passaram a ser chamados de rolezinhos, mas ainda sem sinônimo de badernas, saques ou roubos. No último fim de ano, todavia, isso começou a mudar. Os rolezinhos passaram a significar, nos shoppings de São Paulo, um giro baderneiro realizado por grande número de jovens da periferia ao ponto de se assemelharem aos chamados arrastões, que ocorrem nas praias, em lojas e em restaurantes das capitais paulista e carioca.
O rolezinho passou a constituir-se num problema de segurança pública. Os shoppings começaram a requerer a presença de força policial e passaram a fechar as portas ao público quando da possibilidade da ocorrência de rolés. Consumidores se sentiram prejudicados e, outros, segregados. Algumas entidades e movimentos sociais começaram a convocar rolés de protestos, inclusive para dentro dos centros de compra privados. Resultado: politizou-se rapidamente a ocorrência dos rolezinhos nos shoppings, de modo que cogitar-se sobre a possibilidade deles se tornarem uma tendência nacional.
De fato, o “caldo cultural” do país reforçado pela memória das recentes manifestações populares, em meados do ano passado, são fagulhas ainda muito abrasadas que podem reacender o rastilho para novas manifestações e inspirar novas formas de protestos, inclusive sob a forma de “rolezinhos” em shoppings e outros espaços privados.
É simbólico estarem os rolés ocorrendo nos shoppings centers, espaços de compras privados, concebidos sob o princípio de oferecer um ambiente de comércio seguro, confortável e esteticamente organizado, isento dos problemas do comércio de rua: insegurança, desconforto, mendigos, menores abandonados, pedintes, sufoco, riscos…
Essa nova gramática social em formação, que já vem com um certo vocabulário próprio esculpido pela desigualdade artificial, defronta-se com o antigo legado do “deitado eternamente em berço esplendido” e expõe, mesmo em desacordo com as leis formais do país, o grito de uma juventude pobre e historicamente excluída de oportunidades de lazer, de formação adequada e de ocupações que dignifiquem a vida nas periferias das cidades e nos interiores do país. Nesse sentido, o rolezinho não deixa de ser um grito da periferia por querer pertencer à sociedade de consumo.
Embora os rolezinhos de shoppings e os rolezões de protestos estejam no limite entre a divergência e o desvio, entre a legalidade e o ilícito, a questão realmente está posta e caberá ao Estado e à sociedade responder, pois eles não são, como se quer apressadamente incutir, meros problemas de polícia nem de segurança privada dos centros de compra particulares e organizados uniformemente. Não são simples confusões ou badernas promovidas por adolescentes pobres da periferia. Deve-se ler o que está nas entrelinhas desses rolezinhos e rolés de protesto. E isso talvez nos permita entender porque eles podem realmente tomar contornos nacionais.
Apenas para encerrar, nos EUA os rolezinhos são chamados de “flash mobs” e há registros de que têm ocorrido desde 2011, quando da confusão gerada por jovens em centros de consumo, envolvendo além de questões sociais também as de natureza racial, tendo sido consideradas, na ocasião, formas de expressão de jovens negros de bairros pobres, que agiram em áreas nas quais predominavam os brancos.
Os artigos publicados neste espaço são de responsabilidade do autor e nem sempre refletem a linha editorial do AMAZONAS ATUAL.