EDITORIAL
MANAUS – Primeiro foi Míriam Leitão, que na semana passada reclamou que a interferência na política de preços da Petrobras seria uma medida para beneficiar os donos de carrões. Nesta semana outro comentarista do Grupo Globo, Sérgio Abranches, na rádio CBN Brasil, faz a mesma defesa.
No discurso de ambos, há um ponto em comum: a defesa incondicional dos acionistas da Petrobras, que no ano passado embolsaram mais de R$ 100 bilhões, muito desse lucro fruto da alta de preços dos combustíveis.
Há outros pontos em comum no discurso dos representantes da Globo. Um deles é o fato de não criticarem a política de preços da estatal. Para Miriam Leitão e Sérgio Abranches, não há nada de errado em elevar os preços a patamares impraticáveis para boa parcela da população e arrancar o fígado do consumidor para lucrar R$ 106 bilhões em 12 meses.
A defesa incondicional da política vem acompanhada da crítica à proposta de subsidiar os preços dos combustíveis. O subsídio, convenhamos, não é uma saída satisfatória, porque o contribuinte é quem bancará mais essa conta para manter o lucro bilionário dos acionistas da Petrobras. Mas o argumento dos comentaristas da Globo é que é tosco: isso beneficiaria os ricos, grandes empresas e “donos de carrões”.
Esse é um discurso de quem vive numa realidade paralela. Primeiro, o transporte público no país é de péssima qualidade, o que obriga a população assalariada a fazer grandes esforços para comprar um carro, mesmo que seja velho, que já saiu de linha. Essa pessoa faz isso para dar um pouquinho de dignidade à família, que anda espremida nos ônibus lotados.
Não há dados sobre o número de pobres que conseguem comprar um carro, mas certamente, em termos numéricos, é bem maior que o de ricos com carrões. São esses trabalhadores que todos os meses matam um leão por dia para sobreviver com um salário congelado há anos, e que não conseguem mais botar gasolina no tanque do carro.
Outro ponto frágil do argumento da Globo é que os preços dos combustíveis não afetam apenas quem paga para colocar gasolina, etanol ou diesel nas bombas. Há um efeito em cadeia, porque esses preços são repassados aos produtos no frete, na despesa das empresas entre outros.
Todos os brasileiros pagam pelo combustível que gera lucro à Petrobras.
Nesta semana, o Congresso Nacional aprovou uma lei para frear o aumento de preços. A unificação da alíquota do ICMS e a cobrança do imposto não mais sobre o preço final, mas sobre uma unidade de medida são decisões acertadas. Mas não resolvem o problema.
É inadmissível que Estados e Municípios sejam penalizados com a perda de receita para manter o lucro exorbitante da Petrobras, sem qualquer contrapartida da empresa. A projeção com a mudança no ICMS é de perda de arrecadação aos Estados da ordem de R$ 20 bilhões por ano.
O mesmo valor poderia ser retirado do lucro líquido da Petrobras sem que isso fizesse falta aos acionistas. Seria uma perda de 20%, diante de um lucro da estatal que cresceu 1.400% em 2021.
Mas essa é uma proposta que passa ao largo nos comentários dos representantes do Grupo Globo. Tanto Miriam Leitão quanto Sérgio Abrantes preferem defender um subsídio aos pobres e deixar que o “mercado” se encarrega do resto.
Chegam ao absurdo de dizer que interferir nos preços dos combustíveis vai gerar inflação, como se a inflação não ocorresse exatamente quando o movimento é contrário, ou seja, quando se aumentam os preços.