Às vésperas da comemoração de mais um Dia Internacional da Mulher, se espalha mundo afora um movimento de mulheres que propõe mobilizações “até que a igualdade seja um costume”.
Inspiradas na Marcha Mundial de Mulheres, que segue uma agenda internacional de atividades permanentes movidas pela convocatória: “marcharemos até que todas sejamos livres”, mulheres católicas de várias partes do mundo iniciaram uma agenda de mobilização internacional pela igualdade de direitos na igreja.
Em maio de 2019, as mulheres da Alemanha fizeram um mês de mobilização chamado ‘Maria 2.0‘. O Movimento ‘Maria 2.0‘ foi ganhando espaço e se reinventando em muitas partes do mundo. Formado por mulheres católicas, teólogas leigas ou religiosas (freiras), catequistas, engajadas em vários ministérios (liturgia, cantos, palavra, eucaristia, ornamentação, dentre outras atividades) e pastorais (dos migrantes, do dízimo, familiar, carcerária, caritas e muitas outras pastorais sociais) reivindicam igualdade de direitos de participação, com mais respeito e valorização das mulheres na Igreja Católica.
No início deste mês de março foi a vez das espanholas se manifestarem. No dia 1º de março realizaram mobilizações em várias cidades da Espanha, com destaque para a concentração na Catedral da Almudena, em Madri. Realizaram uma vigília com muitos debates nos quais participaram teólogas, integrantes de paróquias, fiéis, comunidades de base e algumas congregações religiosas que se manifestaram contra a profunda discriminação que vivem por parte da hierarquia eclesial. Esta mobilização continua em outras cidades da Espanha durante todo mês de março.
Essas formas legítimas de manifestação das mulheres católicas indicam que algo não está bem no interior da Igreja que precisa de mudanças urgentes e profundas na estrutura hierárquica ainda altamente clericalizada em muitas regiões do mundo.
Durante o processo do Sínodo para a Amazônia, este debate veio à tona com muita força e as mulheres, que são uma grande maioria na Igreja Católica, apresentaram diversas demandas tendo em vista a garantia de igualdade de direitos e a valorização das mulheres na Pan-Amazônia.
Em diversas oportunidades, as mulheres apresentaram demandas diretamente ao Papa Francisco e aos 250 participantes da Assembleia Sinodal realizada em Roma de 06 a 27 de outubro de 2019.
Dentre as demandas, as mulheres conseguiram incluir no Documento de Trabalho, o Instrumentum Laboris (n. 129), a proposta de se “identificar o tipo de ministério oficial que pode ser conferido à mulher, tendo em consideração o protagonismo central que hoje ela desempenha na Igreja amazônica”. Esta proposta não é descabida nem desproporcional na dinâmica da igreja, se considerarmos que nos primeiros séculos da Igreja Católica, as mulheres participavam em igualdade de direitos de todos os ministérios eclesiais.
Na primeira etapa do processo sinodal, as “escutas”, conforme a síntese da REPAM revelaram que “no campo eclesial, a presença feminina no seio das comunidades nem sempre é valorizada. Reclama-se o reconhecimento das mulheres a partir de seus carismas e talentos. Elas pedem para recuperar o espaço que Jesus reservou às mulheres, “onde todos/todas cabemos”. Por isso, propuseram “inclusive que às mulheres seja garantida sua liderança, assim como espaços cada vez mais abrangentes e relevantes na área da formação: teologia, catequese, liturgia e escolas de fé e de política”.
Na Assembleia Sinodal muitos participantes, além das mulheres, muitos bispos e sacerdotes, pediram que a Igreja acolha cada vez mais o estilo feminino de atuar e de compreender os acontecimentos. E Sugeriram no Documento Final da Assembleia Sinodal que “dada a realidade muito específica da Pan-Amazônia, na perspectiva da ministerialidade e à luz da sinodalidade, propomos ministérios não ordenados para as mulheres leigas de forma ampla, com a finalidade de oficializar o lugar das mulheres nas comunidades e igrejas locais, entendendo o ministério como serviço e toda ação pastoral que já ocorre em praticamente todo território Pan-Amazônico, de maneira a garantir a dignidade e a igualdade da mulher, leiga ou religiosa, na esfera pública, privada e eclesial.
Estas e outras demandas continuam latentes na vivência de fé de milhares de mulheres e homens incomodados/as com as desigualdades de direitos reproduzidos também na estrutura da Igreja. Por isso é legítimo e digno de reconhecimento o processo de mobilização “até que a igualdade seja um costume” em toda igreja e em toda sociedade.
Marcia Oliveira é doutora em Sociedade e Cultura na Amazônia (UFAM), com pós-doutorado em Sociedade e Fronteiras (UFRR); mestre em Sociedade e Cultura na Amazônia, mestre em Gênero, Identidade e Cidadania (Universidad de Huelva - Espanha); Cientista Social, Licenciada em Sociologia (UFAM); pesquisadora do Grupo de Estudos Migratórios da Amazônia (UFAM); Pesquisadora do Grupo de Estudo Interdisciplinar sobre Fronteiras: Processos Sociais e Simbólicos (UFRR); Professora da Universidade Federal de Roraima (UFRR); pesquisadora do Observatório das Migrações em Rondônia (OBMIRO/UNIR). Assessora da Rede Eclesial Pan-Amazônica - REPAM/CNBB e da Cáritas Brasileira.
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