Por Valter Calheiros*, especial para o ATUAL
Mobilizar, ampliar o diálogo com instituições públicas e organizações sociais, fazer ecoar um apelo corajoso de parar de poluir, preservar suas nascentes, reconhecer que estamos produzindo doenças em nossos igarapés, são iniciativas de respostas à pergunta “quando vamos parar de poluir os igarapés de Manaus?” São cenários e perspectivas apresentados por meio de apelos coletivos feitos nos dias 21 e 22 de agosto de 2017 no Simpósio Igarapés de Manaus e Saneamento: Cenários e Perspectivas. O evento promovido pelo Tribunal de Contas do Estado, Ministério Público de Contas e Escola de Contas Públicas, contou com a participação de especialistas, agentes públicos, acadêmicos e conhecedores da problemática. As palestras foram proferidas por representantes do Inpa, Ufam, UEA, Manaus Ambiental, Prefeitura de Manaus – Semulsp, Governo do Amazonas – Sema, Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Tarumã-Açu, Arsam e Prosamim.
Segundo o procurador do Ministério Público de Contas Ruy Marcelo, a degradação dos igarapés de Manaus e o déficit de saneamento básico e ambiental são problemas com reflexo direto na saúde de seus habitantes. Acrescentou que o Simpósio é um espaço para promoção de articulação entre os vários órgãos, tendo como propósito disseminar ações que se fazem urgentes. As palestras proferidas no simpósio tiveram como foco as bacias hidrográficas de Educandos, São Raimundo, Puraquequara e Tarumã. Aos dados apresentados, urge desdobramentos através de um diálogo institucional consistente entre especialistas, agentes públicos, organizações sociais e seguimentos da sociedade que estão inseridos diretamente no problema.
O diagnóstico é gravíssimo, afirmou o professor e pesquisador Sérgio Bringel (Inpa), destacando que a capital só tem aproximadamente 10% de tratamento de esgoto e o que é coletado é lançado in natura na orla da cidade. Acrescentou que crianças estão morrendo em Manaus com doenças de terceiro mundo por falta de saneamento básico e que o genes circulares vírus é um dos que estão matando.
Outro cenário preocupante foi apresentado pelo Secretário Municipal de Limpeza Pública, Paulo Faria: a Prefeitura de Manaus gasta mais de R$ 900 mil por mês no recolhimento de lixo dos igarapés e córregos de Manaus.
Em nossa participação, fomos convidados a apresentar o cenário de degradação ambiental através de imagens feitas em pesquisa de campo realizada no igarapé de Educandos (2012 a 2017) e igarapé de São Raimundo (2016 e 2017). Registradas nos períodos de vazante e cheia do rio Negro, as imagens nos permitem alertar a sociedade de que próximo às águas contaminadas se vende o peixe que chega até nossas mesas. Nesta publicação destacamos paisagens dos igarapés no período da cheia dos rios, que embelezam a zona urbana, retratam o cotidiano e a história de Manaus.
Os relatos e imagens apresentadas no Simpósio do TCE demonstram a necessidade de maiores investimentos em saneamento básico, educação, saúde, efetivar ações dos Comitês de Bacias, assegurando que num futuro próximo os resíduos sólidos da cidade deixem de ser despejados diariamente nas águas dos igarapés e nos rios Negro e Amazonas. As imagens também denunciam a presença de habitações localizadas às margens, todo tipo de vasilhames de vidro e plástico, restos de camas, armários, televisores, ventiladores, malas e de tantos outros objetos. Há de se ressaltar a presença de cascos de geladeiras jogadas nos igarapés ou sendo reaproveitados como base para a construção de flutuantes, que passam a flutuar com o apoio de centenas de garrafas pets. Os ambientes em sua maioria são utilizados como oficinas mecânicas para conserto de barcos.
Como perspectivas de continuidade e aprofundamento da temática, os participantes agendaram uma próxima etapa do simpósio, marcada para o dia 17 de outubro de 2017, a ser realizado na Escola de Contas Públicas do TCE. Apresentamos a seguir três sugestões oriundas da mesa de debate entre palestrantes e demais participantes:
- Formar grupo de trabalho com especialistas nas áreas de Educação, Saúde e Saneamento para realizar análise dos níveis do grau de poluição das bacias hidrográficas de Educandos, São Raimundo, Puraquequara e Tarumã, sendo os resultados utilizados para embasar ações práticas;
- Constituir grupo de trabalho com Empresas do Pólo Industrial de Manaus, Fieam, Sesi, Sesc, dentre outros, para a implantação da Logística Reversa em todos os seguimentos beneficiados com incentivos fiscais do PIM;
- Constituir grupo de trabalho com o Poder Público para a implantação da Logística Reversa nas instituições públicas de Manaus com representantes de instituições, como: Universidades e Faculdades / Inpa através do Rhania (Grupo de Pesquisa Recursos Hídricos em Ambientes Naturais e Impactados na Amazônia), vinculado à Coordenação de Dinâmica Ambiental CDAM / OAB-AM / Organizações de Catadores de Resíduos Sólidos / Governo do Estado / Assembléia Legislativa / Prefeitura Municipal / Câmara Municipal / Comitê de Bacias Hidrográficas / Conselho Estadual de Recursos Hídricos e demais órgãos atuantes na gestão ambiental.
Abraçar as sugestões é uma oportunidade em favor da preservação da nossa Fauna e Flora Amazônica e um caminho a ser observado pelas políticas de desenvolvimento urbano que há muito deixou de valorizar o que outrora embelezava a saudável e hospitaleira Manaus que entrelaçava balneários em plena zona urbana. É oportuno alertar que ao continuar o avanço do lixo nos igarapés, em breve o mau cheiro e o chorume que surgem a partir da decomposição dos resíduos, serão percebidos com mais intensidade nas janelas das casas, condomínios e shoppings construídos no entorno dos igarapés.
Como perspectiva de preservação dos igarapés a sociedade tem nas legislações pertinentes às questões ambientais, amparo na Constituição Federal em seu artigo 225, que determina: “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.”. Destacamos também as seguintes leis:
- Lei Federal 9.433 de 08/01/1997 que Instituiu a Política Nacional de Recursos Hídricos criando o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos, e regulamentou o inciso XIX do artigo 21 da Constituição Federal que determina à União “instituir sistema nacional de gerenciamento de recursos hídricos e definir critérios de outorga de direitos de seu uso”;
- Lei 3.167 de 28/08/2007 que disciplina a Política Estadual de Recursos Hídricos e do Sistema Estadual de Gerenciamento de Recursos Hídricos, instituindo o Comitê de Bacias Hidrográficas como um colegiado consultivo e de deliberação circunscrita à área de abrangência da Bacia Hidrográfica. Os Comitês são formados por órgãos estaduais e municipais e usuários das águas representados por entidades comunitárias, cooperativas ou empresariais;
- LEI 12.305 de 02/08/2010 que Institui a Política Nacional de Resíduos Sólidos, do qual destacamos o artigo 1º e seu § 1º, sendo: 1o Esta Lei institui a Política Nacional de Resíduos Sólidos, dispondo sobre seus princípios, objetivos e instrumentos, bem como sobre as diretrizes relativas à gestão integrada e ao gerenciamento de resíduos sólidos, incluídos os perigosos, às responsabilidades dos geradores e do poder público e aos instrumentos econômicos aplicáveis. / § 1o Estão sujeitas à observância desta Lei as pessoas físicas ou jurídicas, de direito público ou privado, responsáveis, direta ou indiretamente, pela geração de resíduos sólidos e as que desenvolvam ações relacionadas à gestão integrada ou ao gerenciamento de resíduos sólidos.
Entre cenários e perspectivas para a melhoria da qualidade das águas dos igarapés de Manaus, buscamos os dados apresentados no V Congresso de Iniciação Científica (Conic) do Inpa, realizado no período de 18 a 22 de julho de 2016. No evento a pesquisadora do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia, Maria do Socorro Rocha da Silva, destacou que toda a poluição nas bacias de igarapés de Manaus vai parar no Rio Negro. E ressaltou que “nossas pesquisas chamam a atenção porque temos grande quantidade de água, mas não temos qualidade. Esses trabalhos são para acordar a sociedade: olha o que está acontecendo com nossas águas …”, apresentando os seguintes dados:
- BACIA DO SÃO RAIMUNDO: está 80% degradada;
- BACIA DO TARUMÃ: quase 40% está comprometida;
- BACIA DE EDUCANDOS: está totalmente poluída;
- BACIA DO PURAQUEQUARA: está começando o processo de contaminação.
(Publicado em 21/07/2016 – A Crítica).
Os igarapés de Manaus são um bem comum. Assim, como perspectivas, há de se destacar as inúmeras publicações com iniciativas de escolas públicas e particulares na realização de ações para contribuir na recuperação dos igarapés e na promoção de educação ambiental. Neste sentido, a Igreja Católica realiza desde 1° de março deste ano a Campanha da Fraternidade promovida pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil que tem como tema “Fraternidade: Biomas Brasileiros e Defesa da Vida” e como lema “Cultivar e guardar a criação” (Gn 2,15). Na abertura da campanha realizada no Parque Municipal do Mindu, Dom Sérgio Castriani, Arcebispo Metropolitano de Manaus, lembrou à sociedade que: “Precisamos acreditar que Deus cuida de nós e que aquilo que ele criou é bom!”
Manaus-Am, 18 de setembro de 2017.
*Graduado em Teologia pela Universidade Católica Santa Ursula e Centro de Estudos do Comportamento Humano CENESC-AM / Pós-Graduado em Pesquisa e Ação Social pela Faculdade TAHIRIH Manaus-Am / Educador Social em questões socioambientais nas zonas urbana e rural e com Populações e Comunidades Tradicionais Ribeirinhas de Manaus / Pesquisador e fotografo do Movimento Socioambiental SOS Encontro das Águas / Assessor de projetos sociais nas áreas da infância e juventude / Gestor em Educação Infantil / Artigos publicados sobre Educação Inclusiva-MEC e Educação de Jovens e Adultos. (Fotos: Valter Calheiros)