EDITORIAL
MANAUS – O noticiário desta quarta-feira (20) dá conta de que o senador Renan Calheiros, relator da CPI da Covid no Senado, retirou do relatório final a acusação de genocida e homicida ao presidente da República, Jair Bolsonaro, como havia anunciado na véspera, ao permitir o vazamento do documento antes de ele ser conhecido pelos membros da comissão.
O recuo de Renan Calheiros representa uma vitória do bom-senso sobre ranço político que a disputa entre o Palácio do Planalto e aliados x senadores de oposição e independentes provocou ao longo dos trabalhos da CPI.
Denunciar o presidente da República como genocida ou homicida satisfaz os militantes mais radicais contrários ao governo, mas não encontra guarida nem nos fatos e nem na legislação ou na jurisprudência brasileiras.
O relatório de Renan Calheiros, no entanto, ainda traz o indiciamento de Jair Bolsonaro por nove crimes. Eram 11 antes da reunião realizada na noite de terça-feira (19) pelo grupo majoritário da CPI.
Entre esses crimes apontados no relatório como praticados pelo presidente, dois chamam a atenção: o crime contra a humanidade, que será encaminhado ao Tribunal Penal Internacional; e o crime de epidemia, que teve como consequência a morte de mais de 603 mil brasileiros pela Covid-19.
Bolsonaro não meteu a mão na massa para matar mais de 600 mil pessoas, mas contribuiu e muito para que o Brasil se destacasse no mundo como o país em que a pandemia mais matou proporcionalmente à população.
Desde o início da pandemia, o presidente da República se manteve contra qualquer medida sanitária para frear a disseminação do vírus. Fez isso quando não havia qualquer perspectiva de vacina e nem qualquer medicamento capaz de conter a ação do vírus no corpo humano.
Enquanto governadores e prefeitos, auxiliados pela mídia, faziam um esforço para convencer a população a ficar em casa e aceitar o isolamento como única medida de proteção contra o novo coronavírus, Bolsonaro fazia o contrário: encorajava a população a desobedecer às medidas e, depois, tentou, sem sucesso, derrubar os decretos com as normas sanitárias e de isolamento social.
Bolsonaro foi o grande disseminador da mentira de que a cloroquina ou a hidroxicloroquina eram eficazes contra a Covid-19 e poderiam combater a doença letal. Muita gente que acreditou nessa mentira foi às ruas, se infectou e morreu.
O presidente da República chamou de “gripezinha” e taxou de “maricas” aqueles que decidiram se proteger a partir do isolamento ou do trabalho em casa.
Bolsonaro nunca aceitou a categorização de pandemia feita pela Organização Mundial de Saúde, e sempre tratou a doença letal com desdém. Fazia piada com a Covid-19, minimizava dados, demitia ministros que não queriam rezar pela cartilha negacionista, insultava autoridades e desqualificava governadores e prefeitos que estavam trabalhando arduamente para não ver o sistema de saúde em colapso.
Um comportamento assim de um cidadão comum não tem qualquer efeito na vida de uma sociedade, mas de um presidente de um país, tem um peso imensurável. Os chefes de Estado que assumiram o controle das ações de combate à pandemia se tornaram referências para o mundo.
No Brasil, o presidente ficou falando sozinho e se comportou como um garoto mimado que é excluído da brincadeira e passa a armar ciladas para levar consigo os que permanecem no páreo. Um comportamento irresponsável, para dizer o mínimo.
Felizmente, Bolsonaro encontrou poucos, quase nenhum, gestor estadual e municipal para embarcar na sua loucura delirante. Mas não é demais responsabilizá-lo pelo mal que fez ao país, colocando a nação brasileira na condição de pária no mundo.