Na semana passada os estivadores de Itacoatiara, ocuparam o navio ‘Clipper Talent’, gerando um impasse com o grupo Blairo Maggi que coordena as operações de exportação de grãos na Amazônia saindo deste porto que é administrado pela companhia docas de Santana, no Amazonas, empresa pública da administração indireta da prefeitura local. Mas, os navios que operam no terminal de Itacoatiara são ligados ao grupo Blairo Maggi que controlam as relações de trabalho dos estivadores locais.
Os estivadores locais foram surpreendidos no início do ano de 2018 com a notícia da demissão em massa dos trabalhadores substituídos por mão de obra terceirizada. Nessa modalidade de trabalho terceirizado, não existe relação contratual. O trabalhador presta serviços específicos e recebe apenas quando trabalha numa atividade especificada pelo contratante.
De acordo o professor Ricardo Antunes da Unicamp (Universidade de Campinas), considerado o mais importante sociólogo do trabalho no Brasil, a precarização do trabalho funciona mais ou menos assim: o contrato terceirizado é acionado somente quando há uma demanda de prestação de serviços. O mesmo estivador demitido pode ser demandado ou convocado para o trabalho quando chegar um navio para carregamento. Terminado o carregamento, o mesmo é dispensado do trabalho. Ou também ele pode ser acionado apenas para a demanda pontual para determinado carregamento. É como se o estivador se transformasse num “diarista” que recebe apenas pela realização de um serviço pontual sem nenhum vínculo trabalhista.
Pelo seu caráter ‘diarista’, as empresas evitam oferecer ou demandar serviços que se prolonguem por mais de três dias na semana para não correr o risco de configurar obrigatoriedade de relação contratual. Surge então a empresa terceirização ou de prestação de serviços terceirizados. Trata-se de empresas regulamentadas pela nova legislação trabalhista que estabelece uma planilha de prestação de serviços com trabalhadores (as) permanentemente temporários.
A prestação de trabalho pode até ser permanente, mas, os contratos de trabalhos, quando existirem, devem ser sempre temporários. Dessa forma, a empresa de trabalho terceirizado assume a relação de trabalho diretamente com as empresas e estabelece normas próprias como uma espécie de ‘ponte’ entre o trabalhador e a empresa. Desaparece a figura do empregador direto e se assenta a relação de trabalho indireto.
O caso dos estivadores de Itacoatiara ilustra bem esse novo quadro da precarização e terceirização do trabalho na Amazônia. De acordo com Rodnei Oliveira da Silva ‘Nei’, o acordo coletivo de trabalho dos estivadores itacoatiarenses estava previsto para terminar em fevereiro, mas, “foi rasgado pelos empresários portuários”. O acordo coletivo de trabalho dos estivadores representava os indícios da precarização das relações de trabalho.
O descumprimento do mesmo, evidencia a derrocada das relações contratuais e apresenta a nova modalidade do emprego temporário em caráter permanente. O trabalho temporário pressupõe a disponibilidade do (a) trabalhador(a) para quando a empresa precisar do mesmo (a) apenas para demandas pontuais. A empresa se desresponsabiliza das relações contratuais e dispensa inúmeros itens de obrigatoriedade trabalhista tais como o seguro de vida exigido em situações de periculosidade do trabalho e insalubridade, como é o caso dos estivadores.
As empresas ou cooperativas de prestação de trabalho terceirizado podem deslocar grupos de trabalhadores (as) temporários de acordo com as demandas pontuais de prestação de serviços. Esse fato ocorreu em Itacoatiara. Os estivadores locais foram substituídos por trabalhadores que vieram de fora do Estado (não se sabe exatamente de onde vieram) para cumprir a agenda de trabalho temporário.
Esse grupo de trabalhadores terceirizados ficam à disposição das empresas agenciadoras para suas demandas. Essa modalidade faz ressurgir com toda força o que o sociólogo e filósofo do trabalho Karl Marx (1818 – 1883) denominou de “exército de reserva” que se amplia com os trabalhadores desempregados.
No caso de Itacoatiara, os estivadores eram contratados pela empresa do grupo Blairo Maggi, atual ministro da agricultura e um dos maiores empresários do setor graneleiro mundial. Na condição de ministro da agricultura, longe de garantir o pleno emprego dos estivadores do porto graneleiro, o empresário e político Blairo Maggi aciona a terceirização e o trabalho temporário como novas categorias de trabalho legitimadas pela recente reforma trabalhista.
Enquanto ministro influente no cenário político nacional, o seu exemplo abre precedentes para as grandes corporações da indústria anteciparem os acordos coletivos dando continuidade à precarização do trabalho e ao estabelecimento definitivo da terceirização e derrocada do trabalho.
Parafraseando o professor Ricardo Antunes podemos afirmar que “tempos sombrios estão previstos nos itinerários do trabalho” nesta nova conjuntura de precarização e terceirização.
Marcia Oliveira é doutora em Sociedade e Cultura na Amazônia (UFAM), com pós-doutorado em Sociedade e Fronteiras (UFRR); mestre em Sociedade e Cultura na Amazônia, mestre em Gênero, Identidade e Cidadania (Universidad de Huelva - Espanha); Cientista Social, Licenciada em Sociologia (UFAM); pesquisadora do Grupo de Estudos Migratórios da Amazônia (UFAM); Pesquisadora do Grupo de Estudo Interdisciplinar sobre Fronteiras: Processos Sociais e Simbólicos (UFRR); Professora da Universidade Federal de Roraima (UFRR); pesquisadora do Observatório das Migrações em Rondônia (OBMIRO/UNIR). Assessora da Rede Eclesial Pan-Amazônica - REPAM/CNBB e da Cáritas Brasileira.
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