Da FolhaPress
SÃO PAULO – A proposta do candidato à presidência Jair Bolsonaro (PSL) de colocar à gestão da infraestrutura sob o comando dos militares caso seja eleito vai redefinir o jogo de força entre os diferentes órgãos reguladores, na avaliação de especialistas ouvidos pela reportagem.
Sob o grande guarda-chuva chamado de infraestrutura estão os pilares das áreas de mobilidade, energia, saneamento e comunicação -como petróleo e gás; geração, transmissão e distribuição de eletricidade, telefonia, internet, estradas, portos, aeroportos, ferrovias, serviços de água e esgoto.
Cinco grandes entes são responsáveis pelo monitoramento das regras que regem obras em todos esses setores: TCU (Tribunal de Contas da União), MP (Ministério Público), agências reguladoras que atuam em diferentes segmentos, como transporte e telefonia -todos com independência em relação aos demais poderes, incluindo o Executivo.
Há ainda organismos ambientais, como o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), que estão sob o comando da União.
A relação entre órgãos de controle e iniciativa privada é uma das pautas prioritárias para o setor. TCU e MP, em particular, são alvos de fortes críticas de empresários, advogados e analistas. Em coro, reclamam da forte intervenção dos órgãos de controle, que chega a paralisar obras importantes em vários setores.
Um eventual governo Bolsonaro e a chegada dos militares, avaliam, vai criar uma nova dinâmica, sobre premissas que ainda não estão bem definidas.
Se prevalecer o espírito mais combativo do candidato, a tensão pode aumentar.
“Até agora não se apontou como pretendem lidar com esses órgãos. Isso exige capacidade de negociar, que não é o estilo [da equipe]. “, diz Carlos Ari Sundfeld, professor de Direito da FGV-SP.
Para um advogado do setor que já atuou no governo, se prevalecer a postura agressiva da equipe de Bolsonaro não terá efeito positivo. A expectativa é que essas instituições se manterão institucionalmente fortes, ao menos em um curto prazo, o que significa que poderão continuar atrasando o cronograma de projetos.
Entre os temerosos está o Ministério Público. Já há receio em relação a uma possível troca no comando da PGR (Procuradoria-Geral da República) e muitas dúvidas sobre os critérios que podem ser adotados em uma eventual substituição de Raquel Dodge.
“Há uma preocupação por parte da comunidade jurídica, por declarações feitas pela equipe a respeito de critérios ideológicos [na escolha para a PGR]”, diz Rogério Taffarello, sócio do Mattos Filho.
O chefe do órgão tem poder de indicar o comando de diversos setores da procuradoria, assim como controlar o orçamento das áreas e, assim, definir as prioridades das investigações.
“Cada procurador tem autonomia total de atuação no órgão, que muitas vezes é pautado de baixo para cima. Não espero calmaria no curto prazo”, ele afirma.
No caso do TCU, a perspectiva é mais serena. Um representante do órgão afirma que a relação com os militares pode ser produtiva. A visão é que as Forças Armadas têm histórico de bons planejadores, com mais experiência e capacidade de interlocução para atender os questionamentos técnicos do TCU.
Outro analista ressalta que três dos nove ministros do tribunal poderão se aposentar nos próximos quatro anos, e seus substitutos deverão ser indicados pelo novo governo: um pelo presidente da República e dois pelo Congresso.
No caso das agências reguladoras, também haverá indicações: o chefe do poder Executivo é quem escolhe os diretores, que, após aprovação do Congresso, assumem com mandatos fixos.
Em um prazo de quatro anos de governo, a tendência é que o presidente renove grande parte dos quadros das agências. A lei hoje define critérios mínimos, mas, em geral, as escolhas são políticas.
Há uma preocupação quanto aos sinais contraditórios: de um lado, uma equipe liberal com caráter mais técnico e, de outro, militares, diz o professor do Insper, Sandro Cabral.
“Vejo com muita reserva essa dicotomia. Resta rezar para que freios e contrapesos colocados pelos órgãos de controle funcionem, sem atrapalhar a viabilização das obras”, afirma Cabral.
Pelos sinais emitidos até agora, quem mais pode sofrer num eventual governo Bolsonaro são órgãos responsáveis pelo licenciamento ambiental.
Entre servidores e técnicos desses órgãos, o clima é de extrema preocupação com as propostas do candidato, que sugeriu incorporar o Ministério de Meio Ambiente à pasta de Agricultura.
Sua equipe também declarou que avalia fragmentar as agências responsáveis pelo licenciamento ambiental, como o Ibama e o ICMBio, encaminhando seus servidores aos diferentes ministérios.
A proposta é um tiro no pé e vai provocar atraso ainda maior na fila de licenças ambientais dos projetos, afirma um especialista com experiência nos órgãos.
Isso porque as equipes, que são interdisciplinares e trabalham juntas, teriam que ser reestruturadas. Até lá, nada caminhará.
Além disso, os questionamentos judiciais a essas análises tende a ser forte, já que o servidor, ao fazer os estudos dentro de um ministério que tem interesse na realização do empreendimento, fica vulnerável a pressões.
Para Nívio de Freitas, coordenador da Câmara de Meio Ambiente do MPF, a atuação dos procuradores não será afetada por eventuais indicações do próximo governo no órgão, e a defesa de leis ambientais continuará a mesma.