Uma das características marcantes dos filmes de Hollywood é que eles evitam cenas supérfluas e “desnecessárias”. Aquelas que dão impressão de serem pura enrolação ou que não contribuem adequadamente com o desenvolvimento do roteiro.
Essa preocupação em só deixar na película o essencial fez até que muitos países considerassem os americanos mal-educados. Isso porque em cenas de conversas telefônicas, não apareciam falas como “alô”, no início do diálogo e nem se despedindo com um “tchau”.
Assim, quando essa regra é quebrada, o espectador acostumado com essa estética até consegue fazer algumas deduções e adivinhar o desenrolar da história. Por exemplo, se em uma película aparecer um prolongado close numa cadeira, se não for propaganda é porque essa cadeira vai ter alguma serventia para a trama, tipo salvar a vida do herói. Se ocorrer um extenso take de um quadro na parede em que há várias pessoas, é porque um deles deve ser o assassino. A preocupação com o close em um batom pode ser um indicativo de que esse objeto irá provar a inocência da protagonista.
Esse perfil estético, porém, não é universal. Há vários filmes montados sem elipses (omissões propositais) ou cortes nos quais o tempo de ação da película corresponde a mais ou menos o tempo na vida real. Nem sempre o resultado é agradável e alguns filmes acabam se tornando chatos.
Numa das primeiras vezes em que eu vi um filme cheio de cenas que poderiam ser editadas e abreviadas, senti muito estranhamento. Não lembro o nome do filme, o que recordo é que ele começa num deserto. Após conversar com outro personagem que vai embora em seu veículo, o protagonista, sozinho, resolve fumar.
E o filme mostra cada etapa do ato tabagista, desde ele procurando o maço em seu bolso, retirando um cigarro, acendendo-o com o isqueiro e começando as tragadas, expirando a fumaça, voltando a tragar. Até, após minutos, jogar a bituca no solo e apagar uma chama resistente com a sua bota. Começo a pensar: se estão dedicando tanto tempo registrando um cara fumando, é porque tem relevância para o roteiro. Será que ele vai ter câncer?
Depois, ele entra no carro e a cena prossegue por tempo suficiente para o indivíduo procurar a chave, dá a ignição, acionar a primeira marcha e começar a dirigir. Cheguei a pensar que o carro iria explodir ou que ocorreria algum acidente. Qual nada. Possivelmente de uma câmera instalada em um helicóptero, ainda acompanhamos o automóvel por uma boa distância, trafegando uma rodovia asfaltada em meio ao deserto. Dá tempo para refletir que em todo esse trajeto, mesmo em um local tão árido, não há nenhum buraco na pista.
Vou poupar o leitor de outras descrições empolgantes como essas e vamos ao final do filme. O protagonista, enfim, encontra a mulher por quem ainda é apaixonado. Ela trabalha numa boate de strip-tease. Não há contato direto. A dançarina fica no palco sem poder ver o cliente. E ele fica numa sala envidraçada contendo um telefone para se comunicar com ela.
O strip-tease começa, mas a câmera se demora filmando as mãos do rapaz segurando firmemente na cadeira. Não aprendi a lição e, outra vez, tentei decifrar algum sentido naquele close todo na cadeira. Imaginei que ocorreria uma cena que iria salvar o filme: ele pegaria a cadeira, quebraria o vidro, invadiria o palco e “resgataria” a mulher e a obra encerraria com o casal saindo abraçados.
Já tinha imaginado todos os detalhes dessa cena, algumas variações e também me lembrado de algumas contas a pagar. Enfim, a ação evolui, só que o cara pega a cadeira para virá-la. De costas para o palco, ele pega o telefone e começa a falar com dançarina…
Recordei desse filme “inesquecível” porque acho que o brasileiro é influenciado pela estética de edição dos filmes de Hollywood. Sempre nos condicionamos a ficar procurando algum sentido especial em alguns fatos de destaque.
Quando as câmeras dão close no goleiro Bruno, logo pensamos que deve ter algum propósito para a Justiça soltá-lo, e um clube contratá-lo. Alguma finalidade de avanço na discussão entre impunidade e ressocialização. Mas, talvez só seja “filme queimado”.
E quando o close é para o primeiro encontro desde o 7 a 1 entre Brasil e Alemanha? Nosso roteirista interno já imagina algum sentido de superação para a data, março de 2018, tão perto da próxima Copa.
O problema é que a vida não é Hollywood. E “o close na cadeira” nem sempre tem qualquer significado. Sem qualquer garantia de clímax ou final feliz.
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