Basta uma observação mais atenta dos ataques contra o governo que ora sangra no Palácio do Planalto e chega-se a uma classe média que sempre conviveu muito bem numa zona de conforto entre os que tem muito pouco e os que muito tem. Outros mais abastados também têm aproveitado a onda para atirar pedras, mesmo às escondidas, mas é a classe média, formada principalmente por profissionais liberais e a funcionários públicos, que puxam o coro dos descontentes com o governo e clamam pelo impeachment da presidente Dilma Rousseff.
Nas manifestações realizadas nos últimos meses em Manaus lá estavam eles, bem apresentáveis, com suas roupas de marcas, bandeiras em punho, camisas oficiais da seleção brasileira de futebol, que não se compra por menos de R$ 150 na promoção (o preço não promocional é R$ 230). Na última manifestação, inclusive, lá estava na Avenida Eduardo Ribeiro, um alto dirigente da Fieam (Federação das Indústrias do Estado do Amazonas) com sua camiseta amarela, discretamente engrossando o coro dos que pediam a prisão de Lula.
Um médico daqueles que atendem na rede pública 16 pacientes por dia, e que só gasta um terço de sua carga horária para fazê-lo, mas que no consultório particular atende quantos pacientes estejam dispostos a pagar, também estava na manifestação anti-Dilma. Esse mesmo médico não emite nota fiscal de serviços; portanto, sonega impostos. Certamente também não contabiliza suas consultas para cálculo do Imposto de Renda, uma vez que não paga o Imposto Sobre Serviços.
Na véspera do 7 de setembro, um comerciante reclamava de que em Manaus não haveria manifestação organizada contra o governo, porque por essas bandas a maioria do eleitorado era eleitor do PT e que os demais trabalhavam e não tinham tempo de ir às ruas. Em frente à loja dele estava o carro do empresário: uma Hilux cabine dupla. Ele atendia no balcão; demitiu recentemente uma funcionária que fazia o trabalho que ora ele próprio realizava. No mesmo quarteirão, uma nova loja com os mesmos produtos está de vento em popa; mas a culpa do negócio andar pra trás é da crise e da presidente que ora governa o País.
Quem está mostrando os dentes são aqueles que aumentam o valor dos serviços, que majoram os preços dos produtos e ajudam a elevar a inflação. Quem está reclamando na imprensa são os mesmos que historicamente se alimentaram nas tetas da viúva. As empresas que agora demitem são as mesmas que durante todo o primeiro governo de Dilma tiveram redução de impostos e não deram nenhuma contribuição para o país, que sequer reduziram os altos lucros, a exemplo da indústria automobilística, que manteve os preços dos veículos na estratosfera. Todo mundo sabe que os carros mais caros do mundo são vendidos aqui em terras brasileiras, não pela alta carga tributária, reconhecida por todos, mas pelos lucros exorbitantes na cadeia que vai do fabricante de insumos ao revendedor.
Esses mesmos cínicos vêm a público dizer, por exemplo, que a Petrobras é um orgulho nacional. Nunca passou de uma empresa exploradora da Nação e de sua gente. Nunca o petróleo foi nosso. Essa turma que pede a saída da presidente Dilma é a mesma que defende o capital privado, interessado em lucrar mais e mais à custa do suor do povo. É gente financiada pelo capital, pelos bancos e pelas grandes indústrias, entre elas a automobilística.
Essa gente que diz defender a Petrobras – e aí está incluída uma turma de jornalistas famosos – nunca levantou a voz contra o alto preço dos combustíveis no Brasil e nem dos derivados de petróleo. Pagamos o combustível mais caro das Américas; no Brasil a gasolina é mais cara do que em países que não tem um barril de produção própria. O petróleo descoberto na camada pré-sal não vai servir para baratear os preços dos combustíveis. Se o Brasil tiver alguma competência para explorar esse tesouro, ele servirá tão somente para encher os bolsos dos investidores privados. Ao povo, o que restará é a migalha dos royalties, que ninguém sabe como chegará e nem se chegará à população.
O eleitorado de Dilma está sentido o impacto da crise, mas quem já viveu pelo menos 35 anos sabe que o Brasil está muito, mas muito melhor do que em tempos recentes. A economia brasileira está muito mais equilibrada do que estava em 2002, último ano do governo de Fernando Henrique Cardoso. O tucano fechou o ano com o IPCA em 12,53%, acima da meta acertada pelo governo com o Fundo Monetário Internacional, de 11%.
Portanto, o que se tem é muito alerde para os problemas do País. É um pessimismo extremo alimentado pelo cinismo. Como a intenção é enfraquecer o governo ou tirá-lo do poder, ninguém, além do próprio governo, nesse jogo, está interessado em resolver os problemas. E todos sabem que nesse cabo de guerra que se tornou a política em Brasília, a corda só arrebenta do lado mais fraco. Quem paga a conta, todos também já sabem.
Valmir Lima é jornalista, graduado pela Ufam (Universidade Federal do Amazonas); mestre em Sociedade e Cultura na Amazônia (Ufam), com pesquisa sobre rádios comunitárias no Amazonas. Atuou como professor em cursos de Jornalismo na Ufam e em instituições de ensino superior em Manaus. Trabalhou como repórter nos jornais A Crítica e Diário do Amazonas e como editor de opinião e política no Diário do Amazonas. Fundador do site AMAZONAS ATUAL.
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