Por Joelmir Tavares, da Folhapress
SÃO PAULO-SP – Uma plataforma que quer ajudar os brasileiros a conseguir falar de política sem brigar considerou ser oportuno pegar carona nas festas de fim de ano para lançar a primeira etapa da iniciativa. A tensão estará à mesa em muitos lares, com o clima de divisão exposto desde a eleição de 2018 e potencializado pelos debates em torno de medidas de Jair Bolsonaro e da soltura do ex-presidente Lula.
O Despolarize, projeto que começará nas redes sociais e se desdobrará em encontros e produtos a partir do ano que vem, quer se colocar como mais um movimento que tenta furar o ambiente de polarização.
Criado pelo advogado e ativista político Rafael Poço, 32, o programa dá dicas de como se comportar para dialogar com parentes e amigos em um clima respeitoso, mesmo que haja discordâncias. “Não se trata de um projeto para levar as pessoas a convergir para algum tipo de posicionamento. É focado em estabelecer bases para que a conversa se desenrole de forma mais produtiva”, diz ele.
A sugestão é experimentar a novidade já no Natal ou no Réveillon. Poço, que tem experiência em iniciativas do gênero e comandou em 2017 na GloboNews a série ‘Política: Modo de Usar’, passou os últimos seis meses elaborando os materiais. A produção envolveu estudos de áreas como negociação, comunicação não violenta, psicologia, sociologia, antropologia e até neurociência.
O resultado será espalhado primeiramente na internet, na forma de pílulas e de um manual que poderá ser baixado. Depois será produzido um baralho que funciona como guia e pode ser ‘jogado’ pelos participantes. Também está nos planos lançar os chamados ‘embaixadores do diálogo’, ou seja, pessoas e instituições dispostas a replicar a metodologia presencialmente e organizar rodas de discussão civilizadas.
O primeiro mandamento do Guia Prático para Conversas Difíceis é entrar no papo desarmado. “Comece por você: antes de puxar uma conversa, reflita sobre suas próprias intenções e expectativas. Tente não transferi-las para a outra pessoa”, ensina um dos posts.
Outra dica é buscar expor sua opinião e tentar entender como os diferentes temas atingem o interlocutor. Para isso, é preciso evitar generalizações e rótulos, no estilo do que se ouve em expressões como ‘pessoas como você’, ‘vocês de esquerda’, ‘vocês de direita’.
Também funciona no debate saudável se policiar para não parecer cínico. E vale frisar: respeitar o fato de que a pessoa possa ter uma opinião diferente. São erros fatais, ainda conforme o guia: supor as intenções da outra pessoa, menosprezar esperanças ou medos dela e fazer julgamentos disfarçados de perguntas.
Os exemplos de sarcasmo vetados pelo projeto são indagações como: “Você quer mesmo que eu acredite nisso?” e “Como você pode concordar com algo assim?”.
Algo precioso para se ter em mente, especialmente nos encontros familiares, é pensar nas barreiras com o ouvinte, que vão de formação cultural e diferença de geração a questões de gênero. Tudo isso parece muito distante da realidade e difícil? Sim, é duro mesmo mudar o comportamento, admite Poço, o autor da plataforma. “Não é um projeto ingênuo, que pressupõe que todos vão ser compreensivos e se dar as mãos. A meta é mostrar que as pessoas podem tentar se expressar e se entender melhor”.
O pacote preparado com foco nas festas de fim de ano inclui também um resumo de assuntos que dominaram o noticiário recentemente e podem ressurgir agora, entre um brinde e outro.
Reforma da Previdência, prisão após segunda instância, criminalização da homofobia, devastação da Amazônia e universidades públicas são temas tratados à parte, com um resumo dos vários pontos de vista. Com esse material, a intenção do projeto é subsidiar conversas que passem longe de fake news e sejam ancoradas em informações verdadeiras e atualizadas.
O Despolarize está abrigado no Politize!, uma organização da sociedade civil focada em contribuir para a formação cidadã e que sobrevive de doações.
Um dos principais financiadores da iniciativa até agora é o Fundo Nacional para a Democracia, dos Estados Unidos. “Os estudos mostram que a polarização sectária está corroendo os fundamentos da democracia, no Brasil e no mundo. Com esse trabalho, o que buscamos é tentar recuperar o tecido social”, diz Poço.
Para o idealizador, as fissuras podem, no limite, descambar para uma instabilidade política e econômica no país talvez irreversível. “Precisamos ficar atentos para evitar esse extremo. Mudar a forma de agir começa pelo local de trabalho, pelo papo no elevador e no Uber”, diz Poço. E, por que não, pela ceia ou o almoço de fim de ano com a família.
Dicas de conversas difíceis
– Antes de puxar uma conversa, reflita sobre suas próprias intenções e expectativas. Tente não transferi-las para a outra pessoa
– Convide o interlocutor para a conversa de forma sincera e estimulante, tentando não assustar nem parecer cínico
– Respeite o fato de a outra pessoa ter uma visão diferente
– Ao dialogar, pense nas diferenças que precisa considerar (culturais, etárias, de gênero etc.)
– Há algum tópico, expressão ou palavra proibida? Considere seus gatilhos e explore o que é melhor para todos
– Se a pessoa recusar o convite para debater, lembre-se de que não é não (em qualquer situação)
O que não fazer
– Generalizações e rótulos. Por exemplo: ‘pessoas como você’, ‘vocês de esquerda/direita’ Menosprezar esperanças ou medos da outra pessoa
– Supor as intenções do interlocutor quando ele expressa uma opinião.
Em vez de inferir, pergunte e ouça Fazer julgamentos disfarçados de perguntas. Exemplo: “Você quer mesmo que eu acredite nisso?” ou “Como você pode concordar com algo assim?”
O que fazer
– Em vez de perguntas fechadas, que possam ser respondidas apenas com sim ou não, prefira usar ‘como..?’, ‘por que…?’ – Faça esforço para ser bem compreendido. Pergunte o que o outro entendeu da sua fala e explique de novo se a mensagem ficou distorcida
– Fale sempre em primeira pessoa e nunca em nome de um grupo. Exemplo: “Tal coisa é importante para mim porque…”. Isso ajuda a se conectar com a outra pessoa Demonstre interesse pela história do interlocutor