Por Uirá Machado, da Folhapress
SÃO PAULO – O assassinato do petista Marcelo de Arruda em Foz do Iguaçu (PR) mostra com clareza o tipo de polarização que existe no Brasil hoje, diz o cientista político Cláudio Couto.
Em vez de uma polarização entre adversários, como a que separou PT e PSDB durante duas décadas, existe agora uma polarização na qual um dos lados, o bolsonarista, enxerga o outro como um inimigo, um mal a ser extirpado.
“Eu creio que haverá uma escalada da violência, infelizmente. Essa, aliás, é minha expectativa, mais até do que a possibilidade de um golpe. É da natureza do bolsonarismo, como movimento político, lançar mão da violência”, afirma Couto.
No final de semana, Marcelo comemorava seus 50 anos com uma festa decorada com motivos petistas quando o bolsonarista Jorge José da Rocha Guaranho invadiu o local e matou o aniversariante a tiros.
Apesar da reação generalizada de repúdio, Couto considera que o crime terá baixo impacto eleitoral. “Assim como o presidente não perdeu o voto desses setores apesar de seu comportamento durante a pandemia, também não deverá perder em virtude de um assassinato motivado pelo ambiente produzido por ele”, afirma.
Pergunta – O que o assassinato do petista Marcelo Arruda, cometido por um bolsonarista, representa para essa campanha eleitoral?
Cláudio Couto – Ainda é um pouco cedo para ter certeza do impacto que esse assassinato político poderá ter na campanha eleitoral. Pode ser um ponto de inflexão, mas tenho dúvidas de que isso de fato irá ocorrer.
O bolsonarismo conseguiu uma adesão bastante consolidada, de cerca de um terço do eleitorado que não se comove com as violências direta ou indiretamente produzidas por ele. Assim como o presidente não perdeu o voto desses setores apesar de seu comportamento durante a pandemia, também não deverá perder em virtude de um assassinato motivado pelo ambiente produzido por ele.
Não é trivial a tradução disso para esses eleitores mais radicalmente direitistas ou apegados aos “valores cristãos” [enfatiza as aspas] do bolsonarismo.
Por outro lado, creio que possa haver uma intensificação da leitura negativa acerca do bolsonarismo feita pelos grandes veículos de imprensa e os formadores de opinião que deles participam. A meu ver, isso já começou a ocorrer, a tomar pelas primeiras análises dos comentaristas políticos da grande mídia.
Assim, uma postura mais crítica ao bolsonarismo, que já vinha se desenhando e que ganhou corpo após os assassinatos de Bruno Pereira e Dom Phillips, teve novo impulso agora.
P – As disputas presidenciais no Brasil são polarizadas há muito tempo, mas só agora a violência parece se tornar um fator de maior preocupação. Por quê?
CC – Porque há polarizações e polarizações. A polarização como uma forma de organização do jogo competitivo da política é algo inerente à democracia, sobretudo em eleições que, pela lógica majoritária da disputa, se organizam de forma bipolar. Durante 20 anos, essa polarização funcionou segundo uma lógica adversarial, com PT e PSDB organizando o jogo.
O recrudescimento do antipetismo a partir de 2013, associado a um crescente sentimento antissistema, tornou insuficiente -para o setor mais à direita do eleitorado- o antagonismo que até então era expresso pelo PSDB. Assim, abriu-se espaço para um antagonismo mais radical e que se opusesse não só ao PT, mas ao próprio sistema político como um todo – o que inclui a própria democracia ou, ao menos, sua forma de funcionamento no Brasil. Daí a emergência do bolsonarismo.
Não foi só a facada que elegeu Bolsonaro, evidentemente, mas todo esse ambiente gerado a partir de 2013, quando a direita antissistema saiu das catacumbas.
Desse modo, a polarização adversarial deu lugar à polarização inimigável (com o perdão dos neologismos ou anglicismos). É na lógica desta última que o bolsonarismo opera.
P – Há sinais de que possa haver uma escalada dessa violência? Como evitar esse cenário?
CC – Eu creio que haverá uma escalada da violência, infelizmente. Essa, aliás, é minha expectativa, mais até do que a possibilidade de um golpe. É da natureza do bolsonarismo, como movimento político, lançar mão da violência. Ainda mais agora, estando no governo e desejando manter esse status quo.
Creio que, para evitar isso, ou ao menos minimizar o alcance, é preciso que a sociedade civil e lideranças partidárias sejam muito firmes na condenação de qualquer uso da violência politicamente motivada ou incentivada, para que seja alto o custo político de incorrer nesse tipo de prática. Deixar-se intimidar nesse cenário é o pior dos mundos. E é preciso rigor no tratamento dos eventuais violentos, detendo-os, inclusive com o uso de instrumentos cautelares como a prisão preventiva, para desestimular que isso seja feito.
P – Muita gente defende que Lula deveria se expor menos, enquanto outros sustentam que isso seria ceder à violência. Como lidar com esse dilema?
CC – É de fato um dilema, já que candidatos precisam se expor para fazer campanha. A meu ver, o que precisa ser feito é tomar todas as providências possíveis para resguardar o candidato de contatos mais imediatos com pessoas desconhecidas, pois é esse o maior perigo.
Sabemos que Lula já tem utilizado um colete à prova de balas e a segurança em seu entorno tem sido reforçada. Não vejo muita alternativa a essas medidas. Inevitavelmente, é perigoso fazer campanha eleitoral como oposição no Brasil de Bolsonaro. Lula, até pela ameaça real de derrota que representa para o atual grupo no governo, é um alvo preferencial.
E sabemos que muitos bolsonaristas andam armados e sabem usar armas. Temo até mesmo que atiradores à longa distância possam ser mobilizados. É essa a situação a que fomos levados.
P – Houve uma reação rápida de muitos líderes políticos ao condenar o crime. Como o senhor avalia essa reação?
CC – Creio que foi muito importante a reação que houve de lideranças políticas relevantes ao episódio. Contudo, pareceu-me fraco o posicionamento de candidatos presidenciais importantes, como Ciro Gomes e Simone Tebet. Talvez mais preocupados com seu posicionamento na disputa eleitoral, trataram o episódio como resultado de uma polarização com sujeitos ocultos.
O sujeito e o objeto nesse crime são muito evidentes: um bolsonarista matou um petista. Isso deixa clara a distinção entre polarizações e polarizações. Quando um dos polos vê o outro como um inimigo e, pior ainda, um mal a ser extirpado, enseja esse tipo de violência, pois estimula que seus membros e seguidores se imbuam da tarefa de eliminar o inimigo, extinguir o mal.
P – E quanto à reação de Bolsonaro, que disse dispensar o apoio de quem recorre à violência?
CC – Bolsonaro sempre tergiversa quando percebe que algo pode prejudicar sua tentativa de reeleição, ou qualquer interesse seu e de sua família. De nada adianta dizer que dispensa o apoio de quem lança mão da violência e, simultaneamente, estimular essa mesma violência.
Bolsonaro incentiva a violência, inclusive a de natureza política, o tempo todo. Afinal, essa é a mensagem que ele dá quando diz, pondo em dúvida a lisura do processo eleitoral, que seus apoiadores já sabem o que devem fazer – sem dizer explicita e diretamente o que eles devem de fato fazer.
Da mesma forma, incentiva o uso da violência armada para fins políticos quando defende o armamento da população – que, no léxico bolsonarista, significa “os bolsonaristas” – para assegurar a liberdade contra eventual tirania, que ele persistentemente identifica com a esquerda. O mesmo vale para suas seguidas ameaças de recorrer ao poder armado para garantir o resultado eleitoral que seja do seu agrado. Tudo isso sinaliza para os seguidores que o uso da violência é parte do jogo político e deve estar no cardápio dos que “lutam por sua liberdade”.
P – Reportagem da Folha de S,Oayki mostrou que a reação de Bolsonaro gerou divergências dentro da campanha do presidente. A que o senhor atribui isso?
CC – Os políticos tradicionais que se associaram ao bolsonarismo sabem do risco que significa para um político tradicional demonstrar insensibilidade diante de tragédias, bem como descompromisso com a democracia.
O ponto é que Bolsonaro não é um político tradicional. Sempre foi um marginal dentro da política tradicional e assim segue operando. Aliás, foi eleito justamente por ser assim. É dessa condição que adveio a sua condição de “mito”.
O problema é que, ao mesmo tempo que tal postura ativa uma parte expressiva do eleitorado, aliena outra bem maior. Isso gera a situação atual, com grande resiliência do apoio ao presidente e uma imensa rejeição a ele, de três quintos dos eleitores. Para ganhar uma eleição, essa rejeição se torna obstáculo intransponível pela via democrática.
Não é à toa que Bolsonaro ameaça se manter no poder por outros meios. Cabe saber até que ponto seus atuais apoiadores pretendem seguir com ele nessa aventura.
A tomar o que foi apontado por Elio Gaspari, alguns desses políticos mais tradicionais, como Arthur Lira e Ciro Nogueira, talvez apostem num continuísmo por meio de um golpe parlamentar. A ver.
Raio-X
Cláudio Gonçalves Couto, 52 anos
Cientista político com mestrado e doutorado pela USP, é professor do Departamento de Gestão Pública da FGV Eaesp (Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas). É autor de “Sistema de Governo e Políticas Públicas” (Enap, 2019).
É muito cinismo afirmar que somente os ditos “Bolsonaristas” são Violentos, enquanto isto a Esquerda pratica somente o “Ódio do Bem” que era também praticado por Ditaduras Socialistas do Bem como as conduzidas por Mao Tsé Tung e Stalin e atualmente pelo Maduro e outros.