Da Redação
MANAUS – Estudo da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz) mostra que mais da metade dos brasileiros (entre 49% e 60%) que fazem tratamento contra um câncer pelo SUS (Sistema Único de Saúde) precisam deixar o município de residência para receber assistência especializada. O trabalho, publicado em dezembro na revista científica The Lancet Regional Health Americas, comparou períodos de tempo diferentes e identificou que essa dificuldade no acesso ao tratamento permanece nos últimos dez anos.
Coordenado pela pesquisadora Bruna Fonseca, do CDTS (Centro de Desenvolvimento Tecnológico em Saúde/Fiocruz), o estudo usou dados dos sistemas de informação do SUS para mapear as redes de deslocamento de pacientes e a acessibilidade geográfica ao tratamento do câncer em todo país. Para o trabalho, foram analisados 12.751.728 procedimentos de tratamento − cirúrgico, radioterápico e quimioterápico − ao longo de dois períodos: 2009-2010 e 2017-2018.
Após a análise dos dados, os pesquisadores verificaram que há disparidades regionais. Pacientes das regiões Norte e Centro-Oeste têm o acesso aos serviços oncológicos especializados mais dificultado: dependendo do tipo de tratamento, a maioria desses pacientes tiveram que percorrer uma média de 296 a 870 quilômetros para se tratar contra um câncer.
Bruna Fonseca ressalta que todos os pacientes residentes nos estados de Roraima e Amapá precisaram se deslocar para receber atendimento radioterápico e que a maioria percorreu mais de 2 mil quilômetros em média. Já pacientes residentes nas regiões Sul e Sudeste percorreram em média 90 a 134 quilômetros para receber tratamento.
A pesquisadora enfatiza que a necessidade de se deslocar pode trazer prejuízos ao tratamento. Muitas vezes, esses deslocamentos são inacessíveis financeiramente, podem retardar o início e prejudicar a aderência aos procedimentos médicos.
“Tudo isso pode causar uma piora no prognóstico e na qualidade de vida do paciente, que pode não conseguir atingir a frequência ideal para realizar seu tratamento”, explica.
A maior parte dos polos de atração para atendimento oncológico foram identificados nas regiões Sudeste e Nordeste, sendo Barretos (SP) o principal para todos os tipos de tratamento ao longo do tempo. Segundo o estudo, 95% dos pacientes que fazem cirurgia, radioterapia ou quimioterapia no município são de outras cidades.
Nesse caso, Bruna ressalta que apesar de existir um sistema de regulação para organizar o tratamento de câncer no país, é importante questionar que outros aspectos podem estar envolvidos na percepção dos pacientes sobre os locais de tratamento, como a estrutura do lugar, anseios pessoais e o tipo de acolhimento oferecido.
“Há a percepção popular do que é referência no tratamento de câncer, o que faz com que os pacientes se desloquem, independentemente das distâncias e do planejado nas políticas de saúde”.
A pesquisadora enfatiza que a acessibilidade geográfica aos serviços no país evoluiu pouco, já que o percentual de pessoas que precisa se deslocar para se tratar quase não mudou na comparação dos dois períodos de tempo. “É preciso mapear esses vazios assistenciais para poder planejar a implementação de novos centros especializados”, diz Bruna.
Agora os pesquisadores pretendem buscar financiamento para desenvolver uma plataforma online capaz de disponibilizar os resultados do estudo de maneira visual e interativa. O objetivo é ampliar o acesso a essas informações, especialmente para gestores de saúde, para que possam planejar, avaliar e desenvolver políticas públicas mais efetivas.