Um dos efeitos colaterais da cultura de violência organizada é o desdobramento da estruturação da delinquência em complexas organizações criminosas. Elas são diversas e estão por toda parte, inclusive em interação com entes estatais.
Não é de estranhar que a perenização da violência organizada, da injustiça social e da resposta do modelo repressivo “poder-polícia-presídio” pudesse resultar no “estado da arte da intelectualização” da delinquência – as organizações criminosas ou ainda o crime organizado.
Por meios dessas organizações, que fazem da violência ilegítima um grande e lucrativo negócio, a economia do crime globalizou-se de forma célere e efetiva, movimentando um volume considerável de recursos, estimado formalmente em centenas de bilhões de dólares.
Operando um sistema de conexões transcontinentais, os agentes do crime organizado e seus parceiros cooptados, seja no setor privado seja no público, empreendem significativas transações de tráfico de drogas, tráfico de armas, tráfico de pessoas, extorsões, jogos de azar, fraudes variadas (comerciais, fiscais, de cartões, eletrônicas etc), assalto a bancos, seqüestros, exploração sexual (escravismo sexual, pedofilia, prostituição), assassinatos por encomenda, dentre outros negócios hediondos.
De acordo com o site da revista “Fortune”, ataques de crackers que saqueiam dados de cartões de crédito e outros ciberdelitos são apenas uma gota no profundo oceano de arrecadações ilícitas das organizações criminosas. A revista elencou as gangues de criminosos ou máfias com as maiores “receitas” fruto da atividade delinqüente.
- Yamaguchi Gumi: US$ 80 bilhões
Considerada a maior organização criminosa do mundo, chamada também “Yakuza”, consegue mais dinheiro com tráfico de drogas do que com qualquer outra fonte, segundo Hiromitsu Suganuma, ex-chefe da polícia nacional japonesa. Todavia, a receita desse grupo mafioso também é atribuída a jogos de azar e à extorsão. A organização tem centenas de anos e, segundo Dennis McCarthy, autor de “An Economic History of Organized Crime”, possui uma das hierarquias mais elaboradas entre grupos criminosos.
- Solntsevskaya Bratva: US$ 8,5 bilhões
Quando o assunto é organização, os mafiosos russos procedem de forma oposta a organizações como a Yakuza. A estrutura, de acordo com o professor de criminologia da Universidade de Oxford, Frederico Varesi, é altamente descentralizada. A organização é composta por dez “brigadas” quase autônomas. Contudo, todo o dinheiro é supervisionado por um conselho de 12 pessoas que “se reúne regularmente em diferentes partes do mundo, muitas vezes disfarçando suas reuniões como ocasiões festivas”, diz Varesi. Estima-se que a Solntsevskaya Bratva tenha nove mil membros que ganham dinheiro com de tráfico de drogas e de pessoas. Além disso, opera também realizando roubos, assassinatos por encomenda, exploração sexual, contrabando, inclusive de materiais nucleares.
- Camorra: US$ 4,9 bilhões
Um estudo da Università Cattolica e do Joint Research Centre sobre o crime transnacional estimou, em 2013, que atividades mafiosas geram receita de US$ 33 bilhões de dólares na Itália, divididos entre quatro grandes organizações. Segundo a pesquisa, Camorra é o mais bem sucedido desses grupos, com cerca de US$ 4,9 bilhões por ano provenientes de “exploração sexual, tráfico de armas e drogas, falsificação e jogos de azar”.
- ‘Ndrangheta: US$ 4,5 bilhões
Sediada no sul da Itália, o segundo maior grupo mafioso do país ficou conhecido por seus laços internacionais com traficantes de cocaína da América do Sul. Essa organização criminosa controla a maior parte do mercado de drogas que alimenta a Europa e vem se expandindo nos EUA.
- Sinaloa: US$ 3 bilhões
Identificada com o maior cartel de drogas do México, a organização criminosa chamada Sinaloa é uma das várias quadrilhas que tem levado pânico à população. Ela atua na intermediação entre os produtores sul-americanos e o mercado norte-americano. Em que pese o líder desse grupo mafioso tenha sido preso em fevereiro/2014, o cartel tem evitado as batalhas caras (e sangrentas) que sucedem a saída de um comandante.
No Brasil, embora seja de difícil rastreamento, em razão do processo de branqueamento (lavagem de dinheiro) e intermediação fraudulenta (“laranjas e testas de ferro”), sabe-se da expressiva movimentação de recursos, obtidos via criminosa, operada pelo Primeiro Comando da Capital (PCC), organização criada na década de 90 a partir de presídios de São Paulo. Há versões regionais dessas organizações do crime, tais como Comando Vermelho, Amigos dos amigos, Família do Norte, dentre outras. E o alcance de atuação delas abarca todas as esferas do Estado e da sociedade, inclusive dentro dos estabelecimentos penais, aonde deveriam ter sido neutralizadas. No entanto, terminaram por dominar ainda o regime no interior dos presídios, tornando-o funcional à própria economia do crime e suas facções.
O Brasil, conhecido pelos altos indicadores de criminalidade, a exemplo da elevada taxa de homicídios – uma das maiores do mundo, conta nas miseráveis favelas e periferias urbanas com um numeroso exército de indivíduos recrutáveis por essas organizações criminosas, especialmente entre os mais jovens. Isso não significa que os demais segmentos sociais estejam isentos de participar da economia do crime. Pelo contrário, é cada vez mais frequente o envolvimento de indivíduos e de grupos de classe alta e de classe média em atividades ligadas a organizações criminosas.
É gradativamente preocupante o potencial bélico dessas organizações que sobrevivem da economia do crime. Não raro, assumem um caráter paramilitar, impondo dominação armada ostensiva e toque de recolher em territórios que passam a controlar, afrontando diretamente a soberania estatal. Nesses casos, há de se discutir se a questão permanece sendo de segurança pública ou se configura uma ofensa ao Estado e à soberania nacional.
A lei federal nº 12.850/2013 definiu o que se entende por organização criminosa e dispôs acerca da investigação criminal das mesmas. Estabelece o § 1º do art. 1º da citada lei que:
“Considera-se organização criminosa a associação de 4 (quatro) ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de caráter transnacional.”
Autoriza a mesma legislação, quando trata da investigação das organizações criminosas, no art. 3º, os seguintes meios de obtenção de prova:
“I – colaboração premiada;
II – captação ambiental de sinais eletromagnéticos, ópticos ou acústicos;
III – ação controlada;
IV – acesso a registros de ligações telefônicas e telemáticas, a dados cadastrais constantes de bancos de dados públicos ou privados e a informações eleitorais ou comerciais;
V – interceptação de comunicações telefônicas e telemáticas, nos termos da legislação específica;
VI – afastamento dos sigilos financeiro, bancário e fiscal, nos termos da legislação específica;
VII – infiltração, por policiais, em atividade de investigação, na forma do art. 11;
VIII – cooperação entre instituições e órgãos federais, distritais, estaduais e municipais na busca de provas e informações de interesse da investigação ou da instrução criminal.”
A lei esclarece ainda mais detalhadamente acerca de cada um desses meios de obtenção de prova e trata de outras questões, sobretudo esclarecendo procedimentos e certas condições, inclusive referente ao sigilo das investigações.
É de reconhecida importância uma lei que elucide e normatize o procedimento de investigação do crime organizado, mas seria um desarrazoado equívoco ou ingenuidade ou despreparo atribuir apenas a uma lei de natureza penal e ao sistema de justiça criminal a responsabilidade por resolver as questões essenciais que levam a formação de organizações criminosas e desencadeiam processos que culminam em complexas redes de delinquência tecida pelo crime organizado. São essenciais intervenções abrangentes que acompanhem uma visão macro e mais profunda que se deve alcançar para compreender e lidar com esse grave problema, a fim de efetivamente combatê-lo e obter resultados minimante eficazes.
As organizações criminosas constituem, enfim, um grave problema de insegurança pública, em escala regional, nacional e global, que requerem decisões e medidas adequadas frente à ameaça concreta que elas representam à sociedade, à ordem publica e à dignidade da pessoa humana.
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