Por Stefhanie Piovezan, da Folhapress
SÃO PAULO – A afirmação de Onyx Lorenzoni (PL), candidato ao governo do Rio Grande do Sul, de que a melhor vacina contra Covid-19 é pegar a doença gerou indignação nas redes sociais e também entre infectologistas. Para os especialistas, além de cientificamente errado, o argumento pode contribuir para aumentar as mortes no país, que contabiliza 688.013 vidas perdidas em decorrência do novo coronavírus.
“Eu tive Covid em junho de 2020, meu médico me acompanha desde lá. E ele me aconselhou a fazer um monitoramento porque a melhor vacina que existe é pegar a doença. Todo mundo sabe disso. Em todas as doenças é assim. E desde lá eu acompanho o meu IGG [anticorpo que ajuda a proteger de infecções] periodicamente, e ele é sempre muito alto”, disse Lorenzoni no debate contra Eduardo Leite (PSDB) realizado na noite de quinta-feira (27).
Para o infectologista José David Urbaez Brito, coordenador de P&D do Projeto Genov-Dasa, de vigilância por sequenciamento amostral do Sars-CoV-2 no Brasil, a declaração causa revolta. “Gera raiva e um sentimento de impotência uma figura como essa continuar afirmando uma das razões mais horrorosas que induziram pessoas à morte. É como discutir que empurrar uma pessoa de um avião voando seria bom para treiná-la para traumas”, critica.
Ele afirma que não há como pensar em gerar imunidade coletiva expondo as pessoas ao vírus quando se trata de um agente infeccioso novo, que se transforma e provoca hospitalizações e mortes. Ele explica que, enquanto nosso sistema imunológico “treina” para combater o Sars-CoV-2, o vírus também vai se modificando para continuar tendo acesso aos organismos. Trata-se de uma briga recorrente, como ocorre com a gripe e com os resfriados, porém mais grave.
Além disso, a imunidade oferecida pelas vacinas é mais completa e duradoura do que a desenvolvida por quem apenas contrai a doença. Estudo conduzido por cientistas das universidades Yale e da Carolina do Norte publicado na revista científica PNAS aponta, por exemplo, que o tempo médio para reinfecção considerando a parcela da população com menor resposta imunológica é de 353 dias para aqueles imunizados com a vacina da Moderna, contra 144 dias para quem possui somente a imunidade natural.
Nesse sentido, buscar a imunidade pela contaminação é entrar em um território de risco, inclusive de morte. “É como jogar dados. A diferença é que, quando perdemos no jogo, podemos lançar de novo. Com a vida não funciona assim”, afirma o médico Demetrius Montenegro, membro da SBI (Sociedade Brasileira de Infectologia).
Ele ressalta, entre as características do vírus, a rápida transmissão e o poder de mutação, fatores que dificultam a resposta imunológica e tornam necessárias inclusive as doses de reforço da vacina. “O vírus sofre alterações na sua estrutura para driblar o sistema imunológico. Ele não é como o da catapora, que pouco sofre modificação”.
Montenegro também enfatiza que, se atualmente o país está em uma fase diferente da pandemia, esse patamar foi alcançado graças à vacinação, não ao contágio. “A imunidade natural no caso da Covid-19 não é de excelência. Assim, mesmo quando a pessoa se contamina, é preciso o suporte da vacina para melhorar a resposta, diminuir a possibilidade de complicações e de óbito”.
Por fim, ele lembra que mesmo doenças consideradas de menor gravidade, como sarampo, podem levar a complicações e nunca vale jogar com a loteria da saúde, principalmente quando há vacina. “Onyx segue o que esse governo vem pregando desde o início da pandemia: a negação à ciência e à vacina. Isso é lamentável”.