A pergunta inquietante e provocativa “onde está teu irmão, tua irmã?” é o lema da 35ª Semana do Migrante historicamente promovida no Brasil pelo serviço Pastoral dos Migrantes (SPM), instituição pastoral vinculada ao Setor da Mobilidade Humana e Tráfico de Pessoas da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).
Neste ano, entretanto, o SPM reuniu diversas outras organizações que atuam no cuidado humano, na atenção pastoral e na defesa de direitos da população migrante no Brasil para se somarem na elaboração e realização da Semana do Migrante: Comissão Episcopal Pastoral para Ação Sociotransformadora da CNBB, Cáritas Brasileira, Comissão Pastoral da Terra (CPT), Conselho Indigenista Missionário (CIMI), Conselho Pastoral dos Pescadores (CPP), Pastoral da Juventude Rural (PJR), Serviço Jesuíta para Migrantes e Refugiados (SJMR), Instituído Migração e Direitos Humanos (IMDH) e a Missão Paz (centro de acolhida aos migrantes localizado em São Paulo).
A 35ª Semana do Migrante transcorre este ano num cenário de crescentes fluxos migratórios, marcado pela crise sanitária e social que se intensificou para a população migrante no Brasil, com a pandemia de Covid-19.
A pergunta ‘onde está o teu irmão, tua irmã?’ é a primeira grande provocação da 35ª Semana do Migrante e nos faz repensar os migrantes como seres humanos para além dos números e das cifras estatísticas que já não afetam as consciências de boa parte da humanidade. Atualmente, mais de um terço da humanidade é constituída de migrantes e refugiados. São pessoas que circulam pelo mundo, fora do seu lugar de nascimento. São de muitas nacionalidades, muitos rostos de homens, mulheres, crianças, jovens e idosos. A maioria deslocada por força da violência das guerras infundadas, perseguições políticas, de gênero, raça, de credo ou orientação sexual.
Em todo o mundo, muitas são as pessoas deslocadas compulsoriamente por grandes projetos economicistas que ameaçam e destroem os humanos e os biomas. São pessoas empobrecidas pelas estruturas econômicas deste sistema capitalista que promove as desigualdades sociais em larga escala. Em setembro de 2019, a ONU (Organização das Nações Unidas), através da Desa/ONU (Divisão de População do Departamento de Economia e Assuntos Sociais) divulgou Inventário de Migração Internacional 2019 (https://nacoesunidas.org/estudo-da-onu-aponta-aumento-da-populacao-de-migrantes-internacionais/) com estimativas migratórias mundiais estarrecedoras que revelam que a quantidade de pessoas deslocadas ao redor do mundo é a maior de todos os tempos. Maior até que durante as grandes guerras mundiais.
O referido Inventário de Migração Internacional 2019, revela que o número de migrantes internacionais alcançou 272 milhões de pessoas em 2019. Isso equivale dizer que 3,5% da população global é constituída por migrantes internacionais. Soma-se a estas cifras outros milhares de migrantes internos que circulam dentro dos limites dos próprios países e os refugiados que somam cerca de 70,8 milhões de pessoas de acordo com estimativas apontadas no relatório ‘Tendências Globais’, boletim do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (https://nacoesunidas.org/numero-de-pessoas-deslocadas-no-mundo-chega-a-708-milhoes-diz-acnur/).
“Precisamos nos lembrar que somos humanos”. Esta é a segunda provocação da 35ª Semana do Migrante. De fato, a migração tem desumanizado as pessoas. Os migrantes que perambulam pelo mundo representam a face mais perversa e desumana do sistema capitalista. Seus rostos assustados e seus corpos aniquilados pela fome e miséria denunciam as mazelas de um sistema necropolítico que vez mais produz a morte e a desesperança dos pobres expulsos de seus territórios e sem lugar de destino porque o mundo não quer os pobres aniquilados pela aporofobia e pela xenofobia social e institucional.
Daqui do extremo da fronteira amazônica, na tríplice relação com os vizinhos da República Bolivariana da Venezuela e da República Cooperativa da Guiana, apresentamos uma terceira provocação nesta semana do migrante: “somos irmãos transfronteiriços”. Os dados oficiais das agências internacionais ligadas à ONU que atuam com migrantes e refugiados em Roraima (https://www.unicef.org/brazil/crise-migratoria-venezuelana-no-brasil), informam que entre janeiro de 2015 e maio de 2019, foram registradas oficialmente 254.769 entradas de venezuelanos no Brasil. Destes, mais de 178 mil pessoas realizaram solicitações de refúgio e de residência temporária. A maioria dos migrantes venezuelanos entram no país por Roraima, e se concentram no município de Boa Vista, capital do Estado. Ao mesmo tempo, em 2019 foram registradas oficialmente mais de 16 mil entradas de migrantes haitianos e outros 30 mil cubanos.
São novos rostos e histórias de muitas vidas marcadas pela migração. São pessoas que partem desesperadas em busca de trabalho e sobrevivência para elas e suas famílias. Muitas são mulheres que representam um processo contínuo de feminização das migrações. Em alguns casos representam mais de 55% do volume de migrantes. Elas carregam, além da esperança, muitos filhos, parentes e amigos. Passam por inúmeras provações nos trajetos migratórios minados pelo contrabando e pelo tráfico humano. Sofrem diversos tipos de humilhação e exploração sexual nos destinos migratórios. Enfrentam estigmatizações por trazerem no corpo a marca da mulher, da indígena, da negra, da mãe, da migrante empobrecida e desumanizada nos processos migratórios. Mas, não perdem a esperança jamais! São estas perguntas e provocações que estão orientando as diversas atividades para celebrar entre os dias 14 a 21 de junho a 35ª Semana do Migrante.
Para acompanhar e participar das atividades com mediação tecnológica podem ser obtidas em www.spmnacional.org ou http://caritas.org.br/divulgacao/8. Também nas universidades há eventos online que se somam a estas atividades, dos quais destaco alguns abertos à comunidade: Na Universidade Federal de Roraima (UFRR), no dia 18 de junho às 16h o Programa de Pós-Graduação em Sociedade e Fronteiras realizará a webconferência (https://conferenciaweb.rnp.br/events/venezuela-em-pauta-referentes-contextuais-paracompreender-uma-complexidade-socio-historica) “Venezuela em pauta: Referentes contextuais para compreender uma complexidade sócio histórica das migrações”. Contará com a exposição do doutor Adrian Padilla Fernandez, ex-reitor da Universidade Simón Rodrigues – Venezuela. Em seguida, às 19h, ocorrerá o lançamento do eBook ‘Interfaces da Mobilidade Humana na Fronteira Amazônica’ (https://conferenciaweb.rnp.br/events/lancamento-do-livro-interfaces-da-mobilidade-humana-na-fronteira-amazonica), lançado pela Editora da UFRR, organizado pelas professoras Maria das Graças Dias e Márcia Maria de Oliveira. Também na quinta-feira, às 10h da manhã, na Universidade Federal do Amazonas (UFAM), o professor Sidney Silva coordenador do Grupo de Estudos Migratórios na Amazônia (GEMA) convida para o seminário web (https://www.youtube.com/watch?v=FxzmiQ-inGo) ‘mulheres e crianças migrantes: vulnerabilidades e formas de resistências na pandemia’. Todas as atividades ocorrem com mediação tecnológica e podem ser acompanhadas pela internet.
Marcia Oliveira é doutora em Sociedade e Cultura na Amazônia (UFAM), com pós-doutorado em Sociedade e Fronteiras (UFRR); mestre em Sociedade e Cultura na Amazônia, mestre em Gênero, Identidade e Cidadania (Universidad de Huelva - Espanha); Cientista Social, Licenciada em Sociologia (UFAM); pesquisadora do Grupo de Estudos Migratórios da Amazônia (UFAM); Pesquisadora do Grupo de Estudo Interdisciplinar sobre Fronteiras: Processos Sociais e Simbólicos (UFRR); Professora da Universidade Federal de Roraima (UFRR); pesquisadora do Observatório das Migrações em Rondônia (OBMIRO/UNIR). Assessora da Rede Eclesial Pan-Amazônica - REPAM/CNBB e da Cáritas Brasileira.
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