A Unidade Gestora da Copa do Mundo criada pelo governo do Estado para gerenciar as obras para o mundial vai terminar os trabalhos com pelo menos um legado: a especialização em medir obras em porcentagem. Nunca antes na história do Brasil se mediu tão milimetricamente uma obra como vem fazendo a UGP-Copa na Arena da Amazônia. Lembro-me que o Amazonas virou o ano com 94% das obras do estádio concluídos. Nesta quarta-feira, a UGP-Copa anuncia mais um feito com ar de vitória: “os trabalhos estão concluídos em 95%”.
É preciso ter um estatístico de plantão para mediar os avanços da obra. Se não é assim, como confiar que os trabalhos de duas semanas renderam um avanço de 1%? Suponho que a empresa que realiza a obra ou o governo que a acompanha passo a passo, pressionado pela Fifa, desenvolveu um programa de computar que soma cada peça colocada no estádio. “Uma membrana foi colocada na fachada”, avisam os operários. A informação vai para o sistema. “Acabamos de assentar mais dez cadeiras numeradas”, avisa outro operário. O sistema computa.
De grão em grão, o cesto indígena vai ganhando forma. O ritmo é que causa sobressaltos nos organizadores do mundial. O presidente da Fifa, Joseph Blatter, começou a semana com uma polêmica reclamação: Disse no domingo ao jornal suíço “24 Heures” que nunca viu atraso parecido na preparação de um país para a Copa desde que começou a trabalhar na Fifa, em 1975. Até agora, apenas seis dos 12 estádios que serão usados no torneio estão prontos.
Mas está aí a UGP-Copa para mostrar que as obras avançam, em percentuais jamais vistos. Avançou 1%, vira notícia. Os responsáveis pelas obras só não arriscam uma data para a inauguração. No ano passado, o governador Omar Aziz jurou de pés juntos e desafiou quem duvidasse que o estádio seria entregue em dezembro. Estamos no dia 8 de janeiro e a diferença do que foi feito até aquela data da inauguração que não ocorreu é de 1%. Sabe-se lá o que isso significa.
As obras dos Centros de Treinamento, que deixaram de ser três e agora são apenas dois (para o bem do contribuinte, claro), também passaram a ser contadas em %. O Estádio Ismael Benigno, a Colina, está com 68% concluído. Os outros 32% devem ficar prontos até março, dizem os estatísticos do governo. As obras no Centro de Treinamento do Coroado estão 60,75% prontos (veja quanta precisão!). Falta muito pouco, pouco mais da metade para o fim.
No final tudo vai dar certo. A Fifa vai ficar feliz e o legado para o Estado será imensurável. Nunca se foi tão preciso nas medições de uma obra. Nunca se calcularam num universo de um empreendimento de R$ 700 milhões avanços tão detalhados de 1%, ou, no caso do CT do Coroado, de 0,75%.
A estatística ganha, a engenharia ganha, o governo ganha, todos ganham, até a população, que não costuma ganhar, vai ficar com o legado da Copa: uma dívida quase bilionária para pagar.
Valmir Lima é jornalista, graduado pela Ufam (Universidade Federal do Amazonas); mestre em Sociedade e Cultura na Amazônia (Ufam), com pesquisa sobre rádios comunitárias no Amazonas. Atuou como professor em cursos de Jornalismo na Ufam e em instituições de ensino superior em Manaus. Trabalhou como repórter nos jornais A Crítica e Diário do Amazonas e como editor de opinião e política no Diário do Amazonas. Fundador do site AMAZONAS ATUAL.
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