Nos grandes centros urbanos do país a vida tem-se tornado insuportável. O trânsito é um inferno, a cordialidade inclina-se vencida pela incivilidade e a violência alcança índices extremos. A locomoção, até em trajetos mínimos, é uma aventura e um exercício de paciência que deixaria o piedoso Jó vermelho de vergonha.
Como se não bastasse, com a proximidade da Copa do Mundo, todos resolveram tirar uma lasquinha. Há greves e atos de protesto em todas as categorias profissionais, mesmo naquelas impedidas de qualquer movimento paredista, segundo a Constituição da República.
Enquanto São Paulo para literalmente com seu sistema de ônibus, no Rio de Janeiro os policiais cruzam os braços, ao mesmo tempo em que professores da rede pública caminham em passeatas pelo centro da cidade. No horizonte imediato, dezenas e dezenas de movimentos contra a Copa, com mascarados dispostos a tudo, num quebra-quebra anunciado e tolerado que parece não ter fim. Olha, não há cristão que aguente, frente à desordem urbana geral.
Nesta semana fui obrigado a descer da Serra, a fim de atender a um compromisso no Rio. De Itaipava, pela BR-40, um trânsito perfeito e tranquilo, sem maiores retenções, apesar das obras da nova estrada de subida a Petrópolis. Mas, já na Washington Luiz, chegando ao acesso da Linha Vermelha, começa o drama dos engarrafamentos que se prolongam até o Leblon, com maior ou menor intensidade.
Uma ida ao Centro é quase impraticável, e pela tal via binária, nem se fala. No retorno, ainda pela Linha Vermelha, um tormento. Pelo Túnel Rebouças, vá lá que seja, mas pelo Aterro do Flamengo é impossível. Já derrubaram grande parte da Perimetral e quem cai no Aterro ou vai para o Aeroporto Santos Dumont ou não tem saída, senão voltar pelo mesmo lugar, para pegar a Mena Barreto, em Botafogo, andando e parando e em velocidade inferior a 5 quilômetros por hora, já de novo no sentido do Rebouças.
E não há uma placa de sinalização, desde o shopping Rio Sul à enseada de Botafogo, que indique aos idiotas de todo o Brasil, dentre os quais me incluo, o caminho certo para se alcançar a Linha Vermelha e o Aeroporto Internacional Antônio Carlos Brasileiro de Almeida Jobim. Coitado do nosso genial Tom Jobim, hoje dá nome a um dos piores aeroportos do hemisfério, feio, escuro, caindo aos pedaços, cheio de goteiras e com serviços de péssima qualidade.
Bem, entrou na rede, acabou-se, na cidade que receberá o jogo de encerramento do torneio, a menos de 20 dias da realização da Copa. E ainda teremos as Olimpíadas de 2016, já sob ameaça, diante das dificuldades da cidade e das obras necessárias ou indispensáveis à realização das competições, que não conseguem deslanchar de jeito nenhum.
Nesse quadro de horror, ainda há lugar diário para os arrastões criminosos e para as mais variadas passeatas de professores, policiais, flanelinhas, coveiros, vendedores de mate e de cerveja nas praias, enfim, do diabo a quatro. No terceiro pior trânsito do mundo, bateu São Paulo, que está em quinto lugar, a cidade não anda, ou anda a passos de cágado, quando anda. E não se faz nada para enfrentar com competência a questão, com soluções que privilegiem o transporte de massa, único capaz de minorar a situação do caos urbano. Ao contrário, agrava-se a situação com a política de incentivos à indústria automobilística, fundada na mais escrachada demagogia, em cima da qual pretende-se conquistar o apoio da classe média D e E – haja alfabeto, para os projetos de poder do PT, de Lula e Dilma.
Como em tantas outras cidades brasileiras, Manaus, por exemplo, não há mais hora para o sofrimento. Sair de casa para o trabalho ou para o lazer tornou-se um suplício. A existência atravancou-se e a memória dos anos 50/60, na outrora cidade maravilhosa, perde-se na bruma, sepultando uma época de fascínio, de gente bela e contente consigo mesmo e com seu semelhante. Tinha-se um sorriso em cada encontro e no chopinho logo brotava uma amizade que poderia remontar ao entusiasmo de quem vinha partilhando a vida desde a infância.
Hoje identifico na Serra, Itaipava/Petrópolis, um pedacinho do meu pequeno-grande mundo, ao lado da minha velha e querida Manaus e de minha inesquecível Itacoatiara, um pouco do clima fraterno daqueles momentos idos e amados. Como consolo, fico pertinho do Rio, para sempre meu, onde diviso a alegria permanente do filho adotivo e sem reservas, na condição de carioca honorário, para todo o sempre, apesar dos pesares. Amor é amor, paciência.