EDITORIAL
MANAUS – A cantora Anitta, pivô da celeuma envolvendo os contratos de cantores sertanejos com prefeituras de municípios pobres, revelou no programa Fantástico, da Rede Globo, no último domingo, que chegou a receber convites para fazer shows pagos com dinheiro público, mas não aceitou. A recusa, segundo ela, ocorreu em função da proposta indecente para que pegasse o dinheiro e devolvesse parte para quem a estava contratando.
Esse é o modus operandi de todas as administrações corruptas no Brasil. E todo mundo sabe como funciona. O Ministério Público, que tem o dever de investigar os casos de corrupção na administração pública, sabe mais do que ninguém como esses esquemas são organizados, porque o passado está recheado de exemplos. Mas pouco se vê um promotor ou procurador investigar contratos superfaturados.
As contratações cujos contratados precisam pagar “luvas” – um dos nomes dados à propina – não são uma atividade nova. Mas ela se renova de tempos em tempos para alcançar novas atividades. E nem é exclusivo de um tipo de atividade, como os contratos de artistas; permeiam praticamente todo tipo de contratação quando os administradores decidem meter a mão no dinheiro do contribuinte.
No Brasil se convencionou a achar que a administração pública é a melhor maneira de se ficar rico. Muitos políticos imaginam que, chegando lá, seja com um cargo no Executivo ou no Legislativo, é o momento de encher as burras de dinheiro. Muitos investem quantias exorbitantes em campanhas eleitorais que nunca recuperariam se trabalhassem honestamente e ganhasse apenas a remuneração do cargo.
Outros deixam cargos em outro poder para assumir uma função de confiança, temporária, ganhando um salário menor porque imaginam que através de contratos superfaturados e do recebimento de propina conseguem multiplicar por algumas dezenas de vezes o que ganham no cargo para o qual foram eleitos.
No caso dos cantores sertanejos, houve uma legião de apoiadores defendendo os coitadinhos como se eles não tivessem culpa de serem contratados para realizar shows acima de R$ 1 milhão. Uma prefeitura que oferece péssimos serviços de saúde a uma população que mendiga um atendimento médico, não pode gastar milhares de reais em shows de uma ou duas horas que nada deixam de legado para os habitantes do município.
Sobre o que disse Anitta, é preciso que o Ministério Público e outros órgãos de controle saiam a campo para investigar. É verdade que esse tipo de negociação acontece? Todos os artistas têm o mesmo comportamento de Anitta, que recusou a proposta indecente? Os contratados das prefeituras estão sendo feitos com valores de mercado? Se estão, esses valores são suportáveis pela administração sem comprometer os serviços que devem ser prestados aos munícipes?
A população brasileira precisa dessas respostas. Um dos cantores sertanejos que iniciaram a polêmica, o Zé Neto, disse, na ocasião, que não precisava de dinheiro da Lei Rouanet porque quem pagava os shows dele era “o povo”. Agora, o Brasil descobre que realmente é “o povo”, e que esse “povo” nem sabia que estava pagando.
O debate no Brasil, principalmente nas redes sociais, ficou em torno de quem está mais certo: os artistas que se beneficiam da Lei Rouanet ou os sertanejos contratados pelas prefeituras, na mesma toada da discussão Lula x Bolsonaro. A questão é bem mais séria.
Está mais do que na hora de a população deixar de encarar os casos de corrupção com um olhar apaixonado. Em qualquer situação, seja pela Lei Rouanet, seja pelos contratos sem licitação e a preços estratosférico, é preciso que se investigue se houve desvio de dinheiro público ou gasto injustificado de dinheiro que deveria servir aos cidadãos e não a um grupo de privilegiados.
Com a palavra, o Ministério Público e os órgãos de controle da administração pública.