O gênio de Millôr Fernandes dizia que a imprensa ou é oposição ou armazém de secos e molhados, uma reflexão que sem dúvida pode ser estendida à mídia em todas as suas formas. Adesista ou governista, perde sua razão de ser, submetida aos interesses do oficialismo. Em poucas palavras, quando servil, diz o que o poder quer e exige que se diga, oferecendo-lhe a versão mais conveniente, nada além, nenhuma vírgula a mais.
Há décadas e décadas no Amazonas não se vê a mídia crítica e reflexiva, com exceção de um ou outro órgão alternativo, que logo tem vida breve, sem condições elementares de sobrevivência. Observa-se, aqui e ali, uma ou outra objeção ao governo ou à administração, mas sempre levada à opinião pública com limitações e timidez, quando não de maneira distorcida e elaborada com intenções bem definidas e condenáveis. Serve muito mais para dar aparência de independência, com a qual segura um pouco seus leitores, ouvintes e telespectadores, do que para traduzir compromisso concreto com a realidade e a verdade dos fatos.
Levantamento do que o poder público gasta com a mídia local é revelador e causa espécie, ao mesmo tempo em que coloca alguns órgãos de comunicação numa situação incômoda ou vexatória. São cifras que ultrapassam com folga valores que os estados mais importantes do país investem em publicidade, guardadas as devidas proporções. De mais a mais, independente da censura direta ou da autocensura, esta muito mais danosa, sobre informações que possam desagradar o poder, há a promoção permanente e pessoal de dirigentes governamentais, em franca contrariedade ao dispositivo constitucional que veta procedimentos dessa natureza.
A rigor, não sei como funciona hoje, mas houve época em que as verbas governamentais eram distribuídas igualmente, sem sequer levar em conta a credibilidade (?), a penetração e a audiência de cada um dos órgãos de mídia. Um jornal com 1.000 leitores, por exemplo, recebia a mesma verba de outro que tinha o dobro, o triplo ou até muito mais. Lembro que de certa feita perguntei ao proprietário de um jornal, em condições de redimensionar sua participação no mercado, por que não aproveitava a oportunidade para ampliar seu número de leitores? A resposta veio de bate-pronto: jamais adotaria a providência que lhe era sugerida na ocasião, porquanto continuaria recebendo a mesma verba governamental, com 1 ou 10 leitores.
Há outros modos ainda mais graves de participar do butim, sempre inconfessáveis. O certo é que a questão da relação da mídia com o poder precisa ser revista, e revista em profundidade. Neste ponto, que me perdoem aqueles que possam discordar de minha opinião, sou radical. Entendo que deveria ser proibida qualquer publicidade paga e oficial do governo – federal, estadual ou municipal, tivesse ou não caráter informativo e educativo, como no presente admite a Carta da República. Somente assim seria possível fechar a válvula, que autoriza ligações promíscuas e condenáveis, sob o disfarce do interesse público. Nas circunstâncias, é o que menos conta. Quem contrata e tem a chave do cofre dispõe de mil saídas para contornar as vedações legais, especialmente via divulgação indireta, através de entrevistas, reportagens e outros caminhos.
Os mais diligentes, na outra ponta, haveriam de perguntar como seria feita a divulgação dos atos e fatos de governo e da administração? Ora, por meio dos diários oficiais, da rede pública de rádio e televisão, por sinal, de reconhecida e grande dimensão no Brasil, e até mesmo pela mídia privada, a fim de atender à demanda ditada pela própria sociedade, no bojo do noticiário ordinário e de interesse geral, como em boa parte se faz atualmente.
Nos países europeus, com regulamentação severa, reprova-se e pune-se esse tipo de comprometimento, sempre confuso e obsceno. Assim, a mídia ficaria impedida de participar de conluios antirrepublicanos e antidemocráticos, distante de qualquer tipo de censura, oblíqua ou dissimulada. Caminharíamos exatamente na contramão do que pretende o PT e seus artífices, que defendem o controle social dos meios de comunicação, com métodos disfarçados e restritivos à liberdade de dizer, ouvir e interpretar. A mídia ficaria condicionada apenas e tão somente às regras do mercado livre, longe das peias do poder, que a mantém subordinada e condicionada às vantagens pessoais e políticas de quem detém e manobra as rédeas do governo.
——————