Diante do panorama nacional do segundo turno das eleições para presidência da República, uma análise dos planos de governo, dos dois candidatos, no que se refere às políticas ou projetos para a Amazônia, nos revela um plano de morte para o nosso Bioma e para os povos dessa região, por parte de um dos candidatos, vinculado a grupos econômicos que têm promovido um verdadeiro rastro de morte em toda Amazônia. Tal candidato, além do que prevê seu plano de governo, tem dado declarações totalmente desfavoráveis à Amazônia e seus povos revelando total desconhecimento do que a Amazônia representa para nós que vivemos e dependemos dessa região. Diante disso, surgiram diversas análises e reflexões assinalando que “o futuro da Amazônia passa pelas eleições”, das quais destaco fragmentos da seguinte carta aberta do sociólogo do sociólogo Roberto Malzzevi, assinada por mim e por importantes estudiosos da Amazônia.
Sem Amazônia não existe o Brasil, tal qual o conhecemos. São quatro os serviços ambientais que o Bioma Amazônia presta aos amazônidas, ao Brasil e ao resto do planeta.
O primeiro serviço ambiental é o “ciclo das águas”. Hoje, pelo conhecimento científico construído, são os “rios voadores” que vêm da Amazônia que espalham as chuvas por todo território brasileiro, indo inclusive até ao Uruguai, Argentina e Paraguai. Esta é a explicação do renomado pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia, professor Antônio Nobre. Segundo suas pesquisas, respeitadas no mundo inteiro, sem a floresta para injetar mais água na atmosfera, esses “rios voadores” não se formam. Uma simples Sumaúma, árvore imensa da Amazônia, injeta cerca de mil litros de água por dia na atmosfera. Portanto, sem a floresta Amazônica o Sul e o Sudeste brasileiro, onde estão 70% da riqueza da América Latina, se transformam em um deserto.
O segundo serviço ambiental é o ciclo do carbono. Cada árvore corresponde a toneladas de carbono fixado em sua estrutura. Quando uma árvore dessa é queimada ou entra em decomposição, esse carbono é liberado em forma de gás e vai reforçar o aquecimento global, contribuindo para a mudança do clima em todo o planeta. Portanto, derrubar a floresta para dar lugar ao gado ou à monocultura, como propõe certo candidato à presidência da República, é intervir diretamente no clima de todo planeta com consequências trágicas e irreversíveis para as futuras gerações.
O terceiro serviço ambiental da Amazônia é a sua mega diversidade. Cada metro quadrado da Amazônia tem mais biodiversidade que em qualquer lugar do mundo. Daí provêm alimentos fantásticos como o açaí, cupuaçu, castanhas, leguminosas, tubérculos de infinitas variedades como cará, macaxeira, batatas diversas. Também vem os fármacos, as essências, os cosméticos, os óleos e outra quantidade incalculável de riquezas que a só a natureza pode oferecer. Para Felício Pontes, procurador regional da República da 1ª Região (PRR1/MPF), trocar essa riqueza por mais algumas cabeças de gado, a exploração de minerais ou algumas toneladas de soja é uma loucura absoluta. Mas, tem candidato à presidência da República defendendo essa insanidade.
Outra grande riqueza da Amazônia é a sua sociodiversidade cultural com seus povos originários, reconhecidos e respeitados no mundo inteiro como verdadeiros “guardiões da floresta”. São remanescentes do grande genocídio que se abateu e se abate sobre eles desde a colonização e até hoje. Eles nos preservaram o que ainda temos de riquezas naturais na Amazônia, a sua biodiversidade, além de nos comprovar que é possível viver da natureza sem destruí-la. Viver de forma austera e feliz. São esses povos que garantem outros modos de vida na perspectiva do “Bem-Viver” germinando alternativas sociais, culturais, políticas e econômicas. Para os Povos Indígenas a Amazônia é uma grande “casa Comum” que funciona como um laboratório do Bem-Viver. Essa experiência poderia “amazonizar” outras sociedades no sentido de reaprendermos o cuidado e a convivência com a natureza sem destruí-la naquela perspectiva de uma “ecologia integral” incessantemente defendida pelo Papa Francisco na sua Carta Encíclica Laudato Sì (2015). Portanto, a destruição da floresta é também o tiro final no coração dos Povos Indígenas. E tem candidato à presidência da República afirmando que os povos indígenas representam um atraso para o Brasil e que, se vencer as eleições, não concederá mais um centímetro de terra aos povos indígenas.
Esse mesmo candidato propõe o fim do Ministério do Meio Ambiente, dos organismos de controle como o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais) e do ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade), órgão ambiental do governo brasileiro, criado pela lei 11.516, de 28 de agosto de 2007, para atuar na defesa e proteção dos recursos naturais e dos povos da Amazônia. Esse mesmo candidato propõe em seu plano de governo concessões de obras sem licenciamento ambiental, agravando ainda mais os deslocamentos humanos de regiões afetadas por projetos economicistas que roubam a riqueza da Amazônia, contaminam nossas águas, nossa terra e o ar que respiramos, gerando miséria, migrações, conflitos socioambientais, violência e morte.
Toda essa riqueza fundamental está em jogo. Ou preservamos ou destruímos o que nos resta. Os serviços prestados pela Amazônia são naturais e o conhecimento sobre eles é de ordem científica, mas uma decisão política pode derrubar tudo que a natureza nos oferece há milhares de anos em sua infinita generosidade.
Marcia Oliveira é doutora em Sociedade e Cultura na Amazônia (UFAM), com pós-doutorado em Sociedade e Fronteiras (UFRR); mestre em Sociedade e Cultura na Amazônia, mestre em Gênero, Identidade e Cidadania (Universidad de Huelva - Espanha); Cientista Social, Licenciada em Sociologia (UFAM); pesquisadora do Grupo de Estudos Migratórios da Amazônia (UFAM); Pesquisadora do Grupo de Estudo Interdisciplinar sobre Fronteiras: Processos Sociais e Simbólicos (UFRR); Professora da Universidade Federal de Roraima (UFRR); pesquisadora do Observatório das Migrações em Rondônia (OBMIRO/UNIR). Assessora da Rede Eclesial Pan-Amazônica - REPAM/CNBB e da Cáritas Brasileira.
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