
Por Marcelo Moreira, do ATUAL
MANAUS – Instituído pela Lei 13.415/2017, o Novo Ensino Médio tem criado barreiras para o aprendizado em escolas da rede estadual do Amazonas, conforme relato de professores. Eles dizem que há baixo desempenho dos alunos, qualificação insuficiente de educadores para as novas disciplinas e dificuldades de adaptação dos estudantes ao ensino EaD (Educação à Distância).
A nova estrutura de ensino começou a ser implementada em 2022 e foi criada para flexibilizar as disciplinas nessa fase da educação básica e aproximar os alunos do mercado de trabalho. No entanto, isso vai depender da realidade e da cultura de cada local. A Seduc-AM (Secretaria de Estado de Educação e Desporto) informou que a rede pública do Amazonas conta com 339 escolas com o Novo Ensino Médio, sendo 223 na capital e 116 nos municípios do interior do Estado.
Sem poder de escolha
Entre as regras instituídas pelo Novo Ensino Médio, está a implementação dos itinerários formativos, que são um conjunto de disciplinas, projetos, oficinas, núcleos de estudo, entre outras atividades sob orientação das redes de ensino. A ideia inicial da Lei era permitir que os alunos escolhessem a “trilha de aprendizagem” com a qual se identificam.
Em municípios onde existe apenas uma escola do Ensino Médio, a possibilidade de escolha é inviável. Os alunos cursam a área de aprofundamento de acordo com a disponibilidade de professores e recebem semestralmente apenas uma opção de curso oferecido pelo Cetam (Centro de Educação Tecnológica do Amazonas). É o caso de Itapiranga (a 338 quilômetros de Manaus), onde o Ensino Médio existe apenas na Escola Estadual Tereza dos Santos, que funciona em tempo integral.
A pedagoga Maria Helena Campinas informou que as disciplinas da BNCC (Base Nacional Comum Curricular) tiveram os tempos de aula reduzidos no Novo Ensino Médio, apesar da lei determinar que a carga horária anual aumente de 800 para 1.000 horas, somando 3.000 horas. Isso acontece porque as escolas precisaram abrir espaço para as disciplinas dos itinerários formativos, que devem compor 1.200 horas ao fim dos três anos.
No caso da Escola Tereza do Santos, estão sendo trabalhadas, no primeiro ano, as disciplinas de Projeto de Vida, Cultura Digital e Projetos Integradores. No segundo ano, os alunos estudam Educação Financeira, Estudo das Funções, Estudo das Teorias de Consumo, Análise Combinatória e Modelagem Matemática.
“Por exemplo, para o segundo ano, no primeiro semestre, foram colocadas trilhas de aprofundamento em uma área, e, agora, no segundo semestre, esses alunos vão estudar outra trilha de aprofundamento, que já é na área integrada de ‘liderança e cidadania’, que foi escolhida porque a maioria dos professores também já pode ser aproveitada na sua formação”, disse Maria Helena Campinas.
A pedagoga afirma que os alunos têm dificuldades para se adaptar ao novo modelo de ensino, principalmente às aulas no formato EaD.
“Os alunos não estavam preparados para receber novos componentes curriculares, porque houve um aumento da carga horária. Foram divididos itinerários formativos, que mereciam uma atenção maior. Antes eram cinco tempos de aula. Hoje, funciona com o sexto tempo, cada um com 50 minutos”, disse.
“O professor vai usar um grupo de WhatsApp, em que ele vai postar as aulas e vai direcionar o que eles [alunos] têm pra fazer. Os nossos alunos não estão acostumados a estudar sozinhos, em casa. É uma das dificuldades que encontramos hoje, porque o aluno não faz as atividades conforme as orientações. Eles preferem fazer em sala de aula”, acrescentou.
Qualificação insuficiente
“Não me sinto nem um pouco preparado para estas disciplinas, até porque não há uma formação eficaz desses novos componentes. As formações, geralmente, são de forma remota que não ajuda muito na sala de aula, não há tempo destinado para estas formações”, disse o professor Lincoln Varela da Silva, que leciona Língua Portuguesa na Escola Estadual Roderick de Castello Branco, no bairro São José Operário, zona leste de Manaus.
Os professores dizem que não se sentem qualificados para ministrar os componentes curriculares do Novo Ensino Médio, e que estão sobrecarregados com as novas disciplinas. Segundo eles, a Seduc os oferece, pontualmente, cursos online de qualificação, mas que não atende a necessidade.
“O Novo Ensino médio foi criado para melhorar a vida dos alunos. Os projetos desenvolvidos pelos professores entrariam na sua carga horária e todos os alunos teriam cursos técnicos, mas não é isso que tem acontecido. A maneira como Seduc implantou tem sobrecarregado os professores e não tem ajudado os alunos. Além dos cinco tempos presenciais, ainda tem dois tempos remotos que não funcionam, então é preciso que a secretaria reveja e tente melhorar a implantação do Novo Ensino Médio no Amazonas”, disse Lincoln.
O professor Cleyson de Oliveira Carvalho, de 31 anos, conta que precisou buscar qualificação de forma autônoma para suprir a necessidade das salas onde trabalha. Ele é formado em Letras, com habilitação em Língua Inglesa, e também ministra aulas na Escola Estadual Roderick de Castello Branco. Cleyson recebeu a missão de apresentar aos alunos o componente Cultura Digital, mesmo que não tenha feito estudo específico sobre o assunto.
“Quando a gente é lotado, a gente vai com um diploma [informando] que você é graduado naquela determinada área. E lá na minha grade de língua inglesa, por exemplo, não tem nenhuma matéria relacionada a informática ou algo do tipo, embora eu tenha feito, há muito tempo, o curso de informática, isso não me basta pra fazer uma atuação desse tipo”, disse.
“Eu, particularmente, não tive qualquer preparação pra essa disciplina. Eu tive que me virar sozinho. Então, eu peguei a internet, os recursos que eu tinha, fui fazendo pesquisa dentro da grade que era proposta, que está disponível no planejamento que foi passado pra gente”, completou.
Revisão do Novo Ensino Médio
Em junho deste ano, o MEC (Ministério da Educação) suspendeu a implementação do Novo Ensino Médio por 60 dias e criou uma consulta pública para professores, alunos, pesquisadores e sociedade civil avaliarem o novo modelo de ensino. Segundo a pasta, a consulta servirá para a tomada de decisões, revisão e estruturação da política nacional do Ensino Médio.
Para Iolete Ribeiro da Silva, psicóloga escolar e professora na UFAM (Universidade Federal do Amazonas), os estudantes vivem em um cenário de incertezas, principalmente, porque os conteúdos revisados nos anos finais da educação básica são exigidos no Enem (Exame Nacional do Ensino Médio).
“É preciso de uma sintonia entre o modelo do Ensino Médio e o modelo do Enem. Isso ainda não está estabelecido. Mas é preciso que gestores públicos do Ministério da Educação, do INEP (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira), conduzam com bastante cuidado essa questão, tanto em relação ao modelo do Enem, quanto aos processos seletivos de concursos públicos, porque também eles são importantes para esses egressos do Ensino Médio. Eles querem, certamente, ingressar no mercado de trabalho”, disse.
O funcionamento do Novo Ensino Médio divide opiniões de especialistas em educação, pois a implementação tem sido diferente do que é estabelecido pela lei que rege o novo modelo de ensino.
Alguns professores dizem que o problema não está na política de aprendizagem e consideram histórico o déficit na estrutura da rede educacional, e não fruto do Novo Ensino Médio. Outros defendem que é preciso pensar na aplicação do Ensino Médio de forma real, considerando as configurações das diferentes realidades sociais no Brasil, oferecendo o ensino de forma justa e preparando os estudantes com professores qualificados para as novas áreas.
“Não traz mais autonomia para os estudantes porque, de fato, não oferece oportunidades, alternativas em que eles possam analisar e fazer escolhas. É uma falsa afirmação de que traz autonomia. Primeiro, porque negligencia áreas de conhecimento que são importantíssimas para a formação humana, como os estudos das ciências humanas, sociologia, filosofia, psicologia ficam negligenciadas”, disse Iolete Ribeiro.
O ATUAL procurou a Seduc-AM para saber de que forma tenta melhorar a implementação do Novo Ensino Médio e como está auxiliando professores e alunos com as dificuldades relatadas, mas não obteve resposta.