Por Marina Costa, da Folhapress
SÃO PAULO – Provocado por fatores como tecnologia e envelhecimento populacional, o mercado de trabalho busca cada vez mais por profissionais que demonstrem, além de conhecimento técnico, traços como criatividade e habilidades socioemocionais bem desenvolvidas, mas o ensino tradicional não prepara completamente os estudantes para atender às novas demandas.
As necessidades criadas pelas novas matrizes econômicas foram tema do primeiro painel do seminário Novas dinâmicas globais: o papel da arte, cultura e educação para os desafios no mundo do trabalho, realizado pela Folha de S.Paulo e pela Fundação Itaú no dia 28 de agosto.
O evento foi aberto por Eduardo Saron, presidente da fundação, e a mesa foi mediada por Ana Inoue, superintendente do Itaú Educação e Trabalho.
Para Fausto Augusto Júnior, diretor-técnico do Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos), faltam investimentos específicos na qualificação de jovens que estão prestes a entrar no mercado. “A transição entre escola e trabalho é um grande hiato na política pública brasileira”.
Como exemplo da lacuna, Júnior menciona o ingresso precário ou informal de jovens no mundo do trabalho, com pouca perspectiva de carreira e em profissões operacionais que, futuramente, podem ser substituídas por tecnologia. Esses elementos restringem inclusive as oportunidades futuras, pois dificultam a aquisição de experiências, competências e conhecimentos requeridos para alcançar outras ocupações.
Um dos caminhos apontados pelo especialista é a inserção de jovens em atividades que contribuiriam tanto para seu crescimento profissional quanto para a inclusão de quem está na outra ponta -ou seja, da população idosa – por meio da economia do cuidado.
“Imaginamos pessoas acamadas ao falar de cuidado, mas não é só isso. A maior parte da economia hoje gira pelo celular, então não acessar a rede é um impeditivo de cidadania. Para tirar o documento do carro, tudo é feito pelo celular, e quem não souber vai pagar cerca de R$ 300 para um despachante. Será que o jovem não pode ajudar essa pessoa a acessar isso?”, exemplifica.
O envelhecimento virou tema da educação na década de 1990, com especializações para profissionais da saúde e, depois, com programas de mestrado e doutorado em gerontologia – área que, diferentemente da geriatria, que lida com doenças ligadas ao envelhecimento, estuda o impacto deste processo de forma individual e coletiva -, explica Beltrina Côrte, pesquisadora do Núcleo de Estudo e Pesquisa do Envelhecimento da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo).
Hoje, há graduações em gerontologia na USP (Universidade de São Paulo) e na UFSCar (Universidade Federal de São Carlos), por exemplo, além de cursos tecnólogos na área, mas a oferta ainda não é suficiente, avalia Côrte.
“A educação tem sido muito ausente em relação ao envelhecimento, apesar da Política Nacional do Idoso e do Estatuto da Pessoa Idosa determinarem a inserção de conteúdos sobre envelhecimento do ensino básico ao superior. Está nas determinações das leis, mas não há vontade política na execução”.
Para a pesquisadora, um dos caminhos para reverter o cenário está na promoção de cursos técnicos antes ou depois do ensino superior, com o objetivo de capacitar profissionais para serviços relacionados ao cuidado -pois parte da população envelhecerá com comorbidades e fragilidades-, e também para pensar neste público como consumidor em outras áreas.
Entre jovens, o movimento ajudaria na fuga da informalidade ao buscar o primeiro emprego e, entre profissionais mais maduros, contribuiria para a permanência no mercado, já que ambas as etapas demandam atualização constante, diz Côrte.
“Hoje, o mercado de trabalho não olha para um diploma. O olhar é: o que essa pessoa aprendeu? O que construiu? Na prática, o que ela sabe fazer? E o curso técnico dá ferramentas para sair sabendo fazer”, afirma Karen Kanaan, sócia da escola 42 São Paulo, que oferece formação gratuita em engenharia de softwares para pessoas com mais de 18 anos.
O ensino formal ainda abre, segundo a especialista, pouco espaço para que os jovens se expressem e, consequentemente, cultivem habilidades como aprendizado contínuo, autonomia, pensamento crítico e colaboração, que dependem de experiências para serem aprendidas.
Com um método de ensino baseado na troca entre alunos, sem uma dependência exclusiva dos professores, a escola 42 se concentra nessas competências. Kanaan defende a inclusão do modelo na educação tradicional -hoje, algumas imersões da 42 são realizadas em aulas de Fatecs (Faculdade de Tecnologia do Estado de São Paulo) – e, para isso, busca parcerias com outros atores.
“Tem um ecossistema que já existe e está fazendo bastante coisa. Quanto mais a iniciativa privada, o terceiro setor e o poder público se juntarem e olharem para os jovens e para os mais velhos, mais teremos uma agenda mais positiva para o futuro”.