Por Felipe Campinas, do ATUAL
MANAUS – Camila Souza*, de 25 anos, queria apenas curtir o Carnaval em uma banda na Avenida Boulevard Álvaro Maia, no Centro de Manaus, no último domingo (12), mas perdeu a conta de quantas vezes foi alvo de importunação sexual, crime que prevê prisão de um a cinco anos ao infrator. Assim como outras mulheres, ela não conseguiu identificar os infratores para denunciar à polícia.
“Passaram a mão na minha bunda, apalparam minha bunda, puxaram meu cabelo, me apertaram pela cintura, se esfregaram em mim… Estava acompanhada de um amigo. Em um momento específico, estávamos procurando um lugar para ficar e, no caminho, passei por um grupo de pessoas e um rapaz falou bem perto de mim, quase que se jogando em cima: ‘ah se eu te pegasse, sua gostosa’. Me senti tão constrangida que minha reação foi seguir olhando para frente e sair dali”, disse Camila.
Apalpação em partes íntimas, beijo à força e frases de cunho sexual sem consentimento são algumas das situações relatadas por diversas mulheres em blocos e bandas de Carnaval de Manaus nas últimas semanas. Os atos são considerados crimes de importunação sexual e podem resultar na prisão de quem comete o ato.
O Artigo 215-A do Código Penal Brasileiro prevê pena de um a cinco anos de prisão a quem “praticar contra alguém e sem a sua anuência ato libidinoso com o objetivo de satisfazer a própria lascívia ou a de terceiro”.
No domingo (12), uma mulher de 43 anos foi agredida em um ônibus quando estava a caminho de uma banda de Carnaval no Centro de Manaus. Ela relatou à polícia que o ônibus estava praticamente vazio, mas o homem sentou no assento ao lado dela e tempo depois começou a se masturbar. Assustada, ela pediu ajuda ao motorista, que chamou a polícia.
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Nesse caso, o homem foi identificado e preso em flagrante. Além do motorista e do cobrador, passageiros que estavam no terminal de ônibus ajudaram a vítima a deter o infrator.
A advogada Amanda Pinheiro explica que entre as práticas mais comuns de importunação sexual estão os encoxamentos nos transportes públicos, apalpar o corpo da vítima sem seu consentimento, masturbar-se na frente da vítima, ejacular na pessoa, esfregar seu corpo ou genitália na vítima e reiterar palavras de cunho sexual contra a pessoa sem o seu consentimento.
Amanda é presidente da Associação Manas, que promove ações de combate ao assédio em bandas e blocos de Carnaval e presta auxílio jurídico e psicossocial a mulheres vítimas de violência em Manaus. Conheça a entidade.
A advogada afirma que o registro da ocorrência é a primeira atitude a ser tomada pela vítima. “Procurar autoridade policial mais próxima e havendo testemunhas e constatação fática da conduta, o acusado será autuado em flagrante”, afirmou Amanda.
“Nas bandas de Carnaval, além de ser trabalhado a conscientização através dos organizadores e apresentadores do evento, é importante que principalmente as mulheres, que costuma ser o maior número de vítimas desse tipo de ocorrência, estejam em grupos de pessoas de confiança, atentando para comportamentos inadequados, e não tenham medo de denunciar. O silêncio fortalece o abusador que continua na prática dessa conduta”, completou a advogada.
A situação que Camila sofreu a obrigou a ir embora mais cedo do local. Ela não conseguiu identificar nenhum dos assediadores e, por isso, não registrou a ocorrência. “Os episódios foram tantos que eu saí da banda antes do horário planejado. Ou seja, me abstive da minha diversão por não aguentar mais tanto desrespeito e para evitar brigas”, afirmou a jovem.
Débora Santos*, de 24 anos, também sofreu importunação sexual enquanto estava com o namorado em uma festa de Carnaval no Centro de Manaus há três semanas. Segundo ela, o crime foi cometido por uma mulher.
“Estava dançando na companhia do meu namorado e amigos até que senti uma mão tocar na minha vagina e minha reação imediata foi de segurar essa mão e puxar pra cima, pra que assim eu reconhecesse a pessoa. Me surpreendeu e machucou muito quando vi que a agressora era uma mulher. Foi horrível, saí de la chorando”, relatou Débora.
Nesse caso, a vítima obteve ajuda de terceiros para identificar e denunciar a agressora à polícia.
“Consegui identificar a pessoa na hora, mas ainda assim não tinha informações sobre ela. Foi então que meu namorado decidiu tirar fotos da agressora pra que a gente conseguisse identificá-la. Paralelamente, eu fiz um vídeo contando o que eu tinha sofrido e postei. O vídeo teve certo alcance e assim chegou até mim pessoas que conhecem a agressora e me ajudaram a conseguir as informações necessárias pro registro da ocorrência”, afirmou Débora.
Letícia*, de 37 anos, sofreu situação de tentativa de beijo forçado em um bloco de Carnaval num clube localizado no bairro Aleixo, zona centro-sul de Manaus. Ela relata que estava conversando com uma amiga quando foi surpreendida por um rapaz que a tentou beijar à força.
“Eu estava parada conversando com uma amiga, quando olhei pro lado e acabei olhando na direção de um rapaz. Ele olhou também e logo veio na minha direção. Ele disse ‘oi’ e fez um movimento vindo na direção do meu rosto. Eu virei e ele beijou meu rosto (bochecha). Como não atingiu o objetivo, ficou parado me olhando fixamente, e quando entendeu que não conseguiria nada, foi embora”, disse a jovem
Ela disse que não registrou a ocorrência porque não tinha informações sobre o homem.
Todas as mulheres agredidas em blocos e bandas de Carnaval ouvidas pela reportagem afirmam que já foram assediadas em outros momentos da vida.
“Infelizmente, acho que o assédio é comum desde cedo na vida de muitas mulheres e comigo não foi e nem é diferente. Desde muito nova tive contato com esse tipo de situação. Lembro de ainda criança ser assediada dentro de ônibus, em parada de ônibus, nas ruas do meu bairro…”, disse Camila.
“Não foi a primeira vez e, infelizmente, acreditar que vai ser a última me parece mais uma utopia”, disse Debora.
As mulheres criticam a fragilidade do sistema penal brasileiro. “Acredito que precisamos rever muitas questões pra que a sociedade de fato acolha e proteja as mulheres. O próprio sistema penal dificulta e muito as denúncias e processos de assédio e abuso sexual, precisamos realmente ouvir e encorajar as vítimas”, afirmou Debora.
Para elas, as políticas públicas para garantir a segurança das mulheres são insuficientes.
“Não são suficientes, pois mesmo que existam as políticas públicas, nem todos os locais por onde passamos possuem câmeras para inibir ou evitar esse tipo de coisa, nem mesmo policiamento. Algumas vezes, ainda somos desrespeitadas ao fazer o registro, o que acaba fazendo com que muitas mulheres não o façam”, disse Letícia.
“Acredito que elas seriam melhor aplicadas se houvesse um melhor entendimento da situação de constrangimento que passamos (e também do quanto isso nos afeta e nos limita de se divertir) por parte de quem está à frente de ajudar as vitimas. Já vi amigas acionando seguranças em festa sobre ter sido violada e nenhuma providencia ser tomada. E de ainda ouvirem o relato com um certo deboche”, disse Camila.
“No caso da Banda do Boulevard, devo ter visto o cordão de policiais passando no máximo duas vezes perto de onde estávamos. E se tem uma coisa que não me sinto, como mulher, em festas, principalmente de rua, é segura e amparada”, completou Camila.
*Os nomes foram substituídos para preservar as vítimas de assédio ouvidas pelo ATUAL
(Colaborou Hudson Neris)