Da Redação, com Ascom MPF
MANAUS – O MPF (Ministério Público Federal) apresentou ação na Justiça contra o vice-governador do Amazonas, Carlos Alberto Souza de Almeida Filho (PTB), o secretário estadual de Saúde, Marcellus Campelo, e outros dois ex-titulares da Secretaria de Estado de Saúde (SES).
A denúncia é por irregularidades no contrato de gestão de duas unidades de saúde em Manaus: a Unidade de Pronto-Atendimento (UPA) Campos Salles e Hospital Delphina Aziz.
A ação de improbidade administrativa apresentada pelo MPF à Justiça Federal inclui os ex-secretários estaduais de Saúde Rodrigo Tobias de Souza Lima e Simone Araújo de Oliveira Papaiz, o Instituto Nacional de Desenvolvimento Social e Humano (INDSH) e o representante do instituto, José Carlos Rizoli.
O contrato foi firmado em março de 2019 com o INDSH pelo vice-governador do Amazonas que, àquela época, também assumia o cargo de secretário estadual de Saúde.
O documento previa o pagamento por meio de uma metodologia composta de uma parte fixa, correspondente a 90% do valor, e outra variável, referente aos outros 10% dos valores mensais, calculada a partir do atingimento de metas de qualidade.
De acordo com a metodologia, o INDSH receberia o valor mensal de R$ 8.451.349 na primeira fase de implantação, prevista para abril de 2019. Em maio do mesmo ano, na segunda fase, o valor seria R$ 11.624.454; na terceira R$ 14.655.952,00, com previsão de execução em junho de 2019; e na quarta R$ 15.625.450,00, prevista para os meses seguintes.
O cronograma de execução previsto não foi executado e, diante disso, o então secretário estadual de Saúde, Rodrigo Tobias Souza Lima, assinou três aditivos ao contrato, alterando os prazos de execução. O MPF destaca que, apesar dos aditivos, o núcleo do programa de trabalho, que continha as projeções dos serviços a serem prestados, não foi modificado.
O mesmo programa, segundo o MPF, teve graves vícios identificados pela Controladoria-Geral da União (CGU), que classificou o documento como genérico e impreciso, e pela própria SES desde a contratação original, realizada em março de 2019.
Hospital de referência
No dia seguinte à assinatura do 3º Termo Aditivo, em 1º de abril de 2020, foi firmado o quarto termo aditivo, pelo então secretário Rodrigo Tobias Souza Lima, indicando o Hospital Delphina Aziz como unidade referência ao enfrentamento da pandemia de covid-19. Foi estipulado o pagamento do valor mensal de R$ 16.919.822,78, totalizando R$ 101.518.936,78 por seis meses de contratação.
O MPF esclarece que a ampliação do contrato foi feita contrariando a Lei nº 8.666/93 e a Lei nº 13.979/20 e que o limite máximo para o aumento no valor repassado seria de 50%. “Não bastasse isso, o 4º Termo Aditivo não foi precedido de qualquer estudo que aferisse a viabilidade de sua formação e/ou que viabilizasse a elaboração de um programa de trabalho específico e eficiente”, diz trecho da ação.
Em outubro de 2020 foi firmado o quinto aditivo, já pelo atual secretário de Saúde, Marcellus Campelo, fixando o valor do contrato em R$ 15.225.500.
Prejuízos
Desde o início da vigência do contrato, nunca foi realizado o controle efetivo da execução do objeto. O modelo de fiscalização previsto funcionaria a partir da análise de relatórios trimestrais e semestrais que deveriam ser produzidos por uma comissão específica, que mediria o alcance das metas estabelecidas.
“Na prática, a Comissão de Avaliação de Cumprimento do Contrato apenas atesta as notas fiscais emitidas pelo INDHS, sem avaliar o real cumprimento dos serviços contratados, postergando a análise das contas para ajustes futuros”, afirma o MPF.
Depoimentos de testemunhas ao MPF em julho de 2020 apontaram que um único relatório trimestral foi elaborado em mais de um ano e quatro meses de execução do contrato, mantendo os pagamentos mensais de forma integral, sem que seja realizado o efetivo controle da execução do ajuste.
Questionado pelo MPF, o secretário de Saúde confirmou que não há controle mensal da prestação de contas do contrato, que nunca houve glosa de valores – redução em pagamento de contrato quando o objeto não é cumprido na integralidade – em razão da impossibilidade de fixação de metas em virtude da pandemia de covid-19.
Na ação, o MPF esclarece que, apesar da aparente justificativa, a ausência de controle e fiscalização persiste desde o início da contratação, em 2019. “Em resumo, nesses dois anos de contrato, o INDHS recebeu, sem controle efetivo da administração pública estadual, a quantia de R$ 294.288.124,68.”, declarou o MPF.
Em razão das glosas financeiras não aplicadas pela administração pública, a CGU apurou prejuízo potencial de mais de R$ 10,5 milhões. Além disso, a partir dos dados informados pelo próprio INDSH, a CGU apontou um prejuízo ao erário no valor de R$ 21,5 milhões pelo não cumprimento de despesas operacionais e da inexecução de aplicação de valores recebidos da SES.
O MPF quer a condenação do vice-governador, do secretário estadual de Saúde, dos ex-secretários, do INDSH e do representante do instituto por improbidade administrativa, conforme previsto na Lei nº 8.429/92. A ação inclui ainda pedido liminar de bloqueio de bens dos envolvidos no valor de R$ 32.052.691,04, que equivale ao prejuízo causado ao patrimônio público, conforme apuração da CGU.
A ação tramita sob o nº 1006905-07.2021.4.01.3200 na 3ª Vara Federal no Amazonas, onde aguarda julgamento.
Outro lado
O vice-governador Carlos Almeida Filho disse, em nota, que não teve qualquer ingerência na gestão do contrato objeto da ação do MPF, porque deixou o comando da Secretaria de Saúde do Estado em abril de 2019, para assumir a Casa Civil.
Ele afirma que o processo de licitação para a contratação da organização social para gerir o Hospital e Pronto-Socorro Delphina Aziz e a Upa Campos Salles foi avalizado pela Procuradoria Geral do Estado e “a vencedora foi contratada com com total transparência”.
Ainda de acordo com a nota do vice-governador, a contratação da organização social reduziria em 20% os custos mensais do complexo hospitalar da zona norte de Manaus, “o que de fato ocorreu”, segundo ele.
Abaixo, a íntegra da nota:
Nota de Esclarecimento
“O processo licitatório de contratação da Organização Social foi devidamente avalizado pela Procuradoria Geral do Estado, e a vencedora foi contratada com total transparência em março de 2019. O resultado reduziria os custos mensais no Complexo Hospitalar Zona Norte em 20%, o que de fato ocorreu.
Mas ressalto que não fui responsável por qualquer acompanhamento de pagamentos ou fiscalização, pois já não era mais ordenador de despesas da Pasta da Saúde, desde abril de 2019, quando assumi a Casa Civil.
Não tive qualquer ingerência na gestão de contrato, como, inclusive, fica atestado pelo vasculhar de minha vida que se deu por conta da Operação Sangria, onde nenhuma má conduta me foi apontada na Pasta da Saúde.
A Lei de Improbidade se destina a sancionar ações dolosas de agentes públicos. Nenhuma conduta minha dolosa, seja omissiva ou comissiva, foi praticada em detrimento dos cofres públicos. Sempre fui ativo na construção de uma Administração Pública mais transparente. E seguirei provando, em qualquer Instância, seja jurídica ou política, a probidade que sempre conduzi em minha vida pública.”
Carlos Almeida Filho – Vice-governador do Amazonas