Os assassinatos do indigenista Bruno Pereira e do jornalista Dom Phillips chocaram o Brasil e o mundo, ainda estão repletos de mistérios e não podem ser tratados com indiferença. É preciso esclarecer as causas do crime e suas circunstâncias, seus mandantes e executores. Foi um crime isolado ou faz parte de ações coordenadas pelo crime organizado na Amazônia? O certo é que foi mais um crime que revela o abandono da Amazônia pelas autoridades: Funai sucateada, Ibama praticamente inoperante, pouca estrutura da Polícia Federal e na Base Anzol, além da inércia do Conselho da Amazônia.
Bruno e Dom desapareceram e foram mortos no dia 5 de junho, na região do Vale do Javari, próximo ao Município de Atalaia do Norte (AM). Estariam ajudando os indígenas a regularizar a pesca na região e faziam trabalho de campo e entrevistas em várias comunidades.
Segundo informações da União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja), Bruno recebia constantes ameaças de madeireiros, garimpeiros e pescadores que atuam ilegalmente naquela região.
Bruno Pereira era experiente e profundo conhecedor da região, pois foi coordenador Regional da Funai de Atalaia do Norte por anos e também coordenador de Índios Isolados e Recentes Contatos da Funai, até ser afastado pelo atual Governo Federal. Já Dom Phillips, estava trabalhando em um livro sobre meio ambiente, com apoio da Fundação Alicia Patterson, morava em Salvador e fazia reportagens sobre o Brasil há mais de 15 anos para os jornais The Guardian, Washington Post, New York Times e Financial Times.
As buscas de fato iniciaram pelos indígenas e pelas comunidades ribeirinhas. A estrutura do Governo Federal, por meio do comitê das forças de segurança, envolvendo polícias federal, civil e militar, além das Forças Armadas, demorou para o início das investigações e buscas. Somente após quatro dias, com determinação da Justiça Federal do Amazonas, é que o Governo Federal enviou helicópteros da Aeronáutica e da Marinha para ajudar nas buscas.
Cobrei que o Ministério da Defesa autorizasse o Comando Militar da Amazônia para também ajudar nessas buscas, já que em nota informou que somente iriam agir mediante o acionamento do Escalão Superior. Também encaminhei ofícios, cobrando do Ministério da Justiça e Segurança Pública e da Polícia Federal investigação e apuração desse caso.
Somente no dia 12 de junho, Polícia Federal e Corpo de Bombeiros anunciaram ter encontrado objetos pessoais das vítimas, como cartão de saúde, mochila, notebook e um par de sandálias, na área onde estavam sendo feitas as buscas. O material foi encontrado próximo à casa de Amarildo Costa de Oliveira, o primeiro a ser preso, ainda no dia 7 de junho, e que confessou dias depois envolvimento nas mortes.
Outras duas pessoas também estão presas: Oseney da Costa de Oliveira, irmão de Amarildo; e Jeferson da Silva Lima, após ter o mandado de prisão expedido pela justiça. No total, a polícia já investiga oito suspeitos de participação nessas mortes. Outros cinco homens, que ajudaram a enterrar os corpos, já teriam sido identificados.
No dia 15 de junho, os corpos foram encontrados, após um dos suspeitos relatar o local em que havia enterrado os cadáveres, a cerca de 3,1 quilômetros da região onde ocorreu o crime. Mortes com requintes de crueldade. Foram esquartejados e queimados. Os restos mortais do Bruno Pereira e de Dom Phillips chegaram a Brasília na noite do último dia 16. E passaram por várias perícias para a confirmação das identidades.
A polícia, que antes, aparentemente estava sem pressa para iniciar as buscas, agora trabalha na linha de que não há um mandante nesse crime e que os suspeitos agiam sozinhos. Mas a Univaja contesta, afirmando que forneceu informações às autoridades sobre a organização criminosa que atua no Vale do Javari, composta por caçadores e pescadores profissionais, que invadem constantemente a região e que estariam envolvidos na morte de Bruno e Dom.
Aliás, esses indígenas e ribeirinhos, que incansavelmente ajudaram nas buscas e fizeram as denúncias, até o momento, não tiveram o devido reconhecimento pelas autoridades que compõem o comitê de crise e o pior, temem por suas vidas, pois afirmam que existem interesses econômicos que os ameaçam constantemente.
Toda essa escalada de violência contra os povos indígenas, seus apoiadores, os protetores ambientais, deve ser acompanhada e fiscalizada pelo parlamento brasileiro. Como estão sendo desenvolvidas as ações governamentais para desvendar as circunstâncias desse assassinato? E a falta de programas e planos de proteção da Amazônia?
Questionamentos que faremos e esperamos serem respondidas dentre as audiências, reuniões técnicas e diligências que serão feitas in loco pela Comissão Externa da Câmara Federal, aprovada na semana passada e da qual fui indicado coordenador, e que tem a missão de acompanhar, fiscalizar e propor providências no caso dos assassinatos do indigenista e do jornalista. Faremos em conjunto com a Comissão Externa do Senado, criada com a mesma finalidade.
Muito além de acompanhar a finalização das investigações, cobrando a prisão de todos os envolvidos e de possíveis mandantes das mortes e Bruno e Dom, a Comissão Externa da Câmara tem um papel fundamental de apurar os desdobramentos e a omissão do poder público na garantia da segurança dos povos indígenas, na região do Vale do Javari, onde se encontra a segunda maior reserva indígena do país, mas também estratégica para o tráfico de drogas e o garimpo ilegal.
Esse crime revela o abandono da Amazônia pelas autoridades, o completo desmonte da estrutura de fiscalização, policiamento e controle, além da inércia do Conselho da Amazônia. Situações que serão objetos de debate dessa Comissão, diante dos crimes ambientais, das ameaças e violências e das omissões do Governo Bolsonaro e do governador Wilson Lima, que vêm resultando num estado de barbárie no Vale do Javari.
Quantos Vales do Javari e ativistas temos sob ameaças, hoje, na Amazônia? Volto a repetir que essa tragédia não pode ser tratada com indiferença. É necessário o envio de todos os recursos possíveis para que o caso tenha uma rápida, transparente e segura solução. Inclusive, para que se tenham subsídios suficientes para evitar, de uma vez por todas, que o exercício do jornalismo e da proteção ao meio ambiente e às minorias deixe de ser atribuições de risco no Brasil. Bruno e Dom, presentes!
José Ricardo Wendling é formado em Economia e em Direito. Pós-graduado em Gerência Financeira Empresarial e em Metodologia de Ensino Superior. Atuou como consultor econômico e professor universitário. Foi vereador de Manaus (2005 a 2010), deputado estadual (2011 a 2018) e deputado federal (2019 a 2022). Atualmente está concluindo mestrado em Estado, Governo e Políticas Públicas, pela escola Latina-Americana de Ciências Sociais.
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