Da Folhapress
SÃO PAULO-SP – O então juiz federal Sergio Moro, hoje ministro do governo Jair Bolsonaro, chamou a atenção de procuradores da Lava Jato para a inclusão de prova considerada importante por ele na denúncia contra um réu, segundo mensagens obtidas pelo site The Intercept Brasil e divulgadas nessa sexta-feira, 5, pela revista Veja. Na troca de mensagens pelo Telegram, em abril de 2016, segundo a revista, os procuradores conversaram sobre um alerta de Moro à força-tarefa.
Deltan Dallagnol diz à procuradora Laura Tessler que o então juiz o havia chamado a atenção sobre a ausência de uma informação na denúncia contra o lobista Zwi Skornicki, réu da operação e representante da Keppel Fels, estaleiro com contratos suspeitos com a Petrobras. “Laura no caso do Zwi, Moro disse que tem um depósito em favor do (Eduardo) Musa (da Petrobras) e se for por lapso que não foi incluído ele disse que vai receber amanhã e da tempo. Só é bom avisar ele”, diz Deltan. “Ih, vou ver”, responde a procuradora.
No dia seguinte a esse diálogo, de acordo com Veja, a Procuradoria em Curitiba incluiu comprovante de depósito de US$ 80 mil feito por Skornicki a Musa. O então juiz Moro aceitou a denúncia e, na decisão, mencionou o documento que havia pedido.
Segundo a legislação, é papel do juiz se manter imparcial diante da acusação e da defesa. Juízes que estão de alguma forma comprometidos com uma das partes devem se considerar suspeitos e, portanto, impedidos de julgar a ação. Quando isso acontece, o caso é enviado para outro magistrado. Segundo o Código de Processo Penal, sentenças proferidas por juízes suspeitos podem ser anuladas.
Já o Código de Ética da Magistratura diz que “o magistrado imparcial é aquele que busca nas provas a verdade dos fatos, com objetividade e fundamento, mantendo ao longo de todo o processo uma distância equivalente das partes, e evita todo o tipo de comportamento que possa refletir favoritismo, predisposição ou preconceito”. Também diz que “ao magistrado, no desempenho de sua atividade, cumpre dispensar às partes igualdade de tratamento”.
Conversas publicadas pelo Intercept desde o último dia 9 de junho têm revelado a relação próxima entre Moro e os procuradores da Lava Jato, entre eles Deltan. Segundo os diálogos, Moro sugere ao Ministério Público Federal trocar a ordem de fases da Lava Jato, cobra a realização de operações, dá conselhos e pistas e antecipa ao menos uma decisão judicial.
Reportagem da Folha de S.Paulo, que também analisou as mensagens, mostrou ainda que procuradores se articularam para proteger Moro e evitar que tensões entre ele e o STF (Supremo Tribunal Federal) paralisassem investigações.
Desde que vieram à tona as mensagens, tanto Deltan como Moro têm repetido que sempre agiram conforme a lei e que não podem garantir a veracidade dos diálogos.
No dia 19, questionado no Senado sobre a possibilidade de deixar o Ministério da Justiça para permitir isenção nas investigações, Moro negou conluio com o Ministério Público e afirmou: “Se houver alguma irregularidade da minha parte, eu saio”. Nos últimos dias, a Polícia Federal mudou o delegado que investiga eventual ação de hackers no celular de Moro, mas o nome não é revelado pela instituição.
A reportagem da revista Veja desta sexta apresenta novas mensagens que apontam a relação próxima as autoridades. Isso aparece, por exemplo, quando Moro e Deltan falam sobre um recurso da Odebrecht em 2016. Informalmente, Deltan antecipa a ele, pelo celular, um documento ainda incompleto do Ministério Público sobre a empreiteira. As mensagens sugerem também que Moro pode ter escondido informações do STF para manter um caso sob investigação em Curitiba.
Em agosto de 2015, a defesa de Flávio David Barra (AG Energia) pede ao ministro Teori Zavascki (STF) a suspensão de processo sob a responsabilidade de Moro, ao alegar que a 13ª Vara Federal de Curitiba não tinha competência para julgar o caso já que havia indício de parlamentares federais envolvidos.
Diante da reclamação, Teori cobra explicações a Moro, que afirma não saber nada sobre o envolvimento de parlamentares no caso. Apesar disso, Teori suspende as investigações, o que força o então juiz a remeter o caso de Curitiba para Brasília. Três semanas depois, porém, um diálogo entre o procurador Athayde Ribeiro Costa e a delegada Erika Marena sugerem que Moro pode ter omitido informações ao STF.
Athayde diz precisar com urgência de uma ‘planilha/agenda’ apreendida com David Barra com descrição de pagamentos a diferentes políticos. A delegada da PF responde que, por orientação de ‘russo’ (Moro), não tinha tido pressa em protocolar o documento no sistema eletrônico da Justiça. “Acabei esquecendo”, disse. “Vou fazer isso logo”, completa Erika.
Outro lado
Em nota à imprensa nessa sexta, 5, o ministro Sergio Moro repetiu não reconhecer a autenticidade das mensagens e disse que elas podem ter sido adulteradas total ou parcialmente.
Sobre o caso do lobista Zwi Skornicki, disse que o depósito, alertado por ele como importante aos procuradores, não foi reconhecido como crime na sentença final. “A absolvição revela por si só a falsidade da afirmação da existência de conluio entre juiz e procuradores ou de quebra de parcialidade, indicando ainda o caráter fraudulento da suposta mensagem”, diz o ministro, em nota.
A sentença mostra que Zwi de fato foi absolvido da acusação de fazer transferência internacional para Eduardo Musa porque não foi encontrado vínculo do repasse com a Petrobras ou a Sete Brasil.
Porém, na época da sentença, um ano após a prisão, o réu já tinha se tornado delator e saído da cadeia devido a acordo de colaboração. A condenação por esse crime naquele momento teria pouco efeito prático na situação do operador.
Sobre a suposta sonegação de informação ao então ministro Teori Zavascki (STF), Moro afirma que, quando prestou esclarecimentos ao Supremo, “não dispunha de qualquer informação sobre o registro de pagamentos a autoridades com foro privilegiado”. “Aha uhu o Fachin é nosso”, disse Deltan.
As mensagens divulgadas nesta sexta, pela revista Veja, revelam o entusiasmo do procurador Deltan Dallagnol, chefe da Lava Jato em Curitiba, após encontro com o ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal. De acordo com a revista, em 13 de julho de 2015, Deltan deixou uma reunião com Fachin e logo comentou o resultado da conversa com os demais procuradores da força-tarefa. “Caros, conversei 45 m com o Fachin. Aha uhu o Fachin é nosso”. Não há determinação legal que proíba conversas entre procuradores de primeiro grau e ministros do STF.