Por Natália Cancian, da Folhapress
BRASÍLIA-DF – O Conanda (Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescentes), conselho criado em 1991 para monitorar políticas e garantir a proteção dos direitos de crianças e adolescentes, tem sido desidratado sob a atual gestão do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos. O órgão ficou conhecido nos últimos anos por normas para coibir a publicidade infantil. É um dos poucos conselhos que não foram cortados no decreto de Jair Bolsonaro (PSL) que extinguiu espaços de participação social.
Na prática, porém, reuniões do grupo, formado por membros do governo e de entidades do setor, tem sido inviabilizadas. Os problemas começaram já no início do ano, quando houve atraso na posse dos novos conselheiros, e se agravaram nos últimos meses. “É um órgão que está sendo deixado de lado mesmo sendo central para políticas de proteção à infância”, afirma Thaís Dantas, advogada do Alana, ONG do setor e uma das integrantes do conselho.
Em
maio, o ministério anunciou que iria suspender os recursos voltados ao custeio
de passagens e hospedagem para que conselheiros da sociedade civil, que não
recebem remuneração pelo cargo, pudessem participar das assembleias. Na época,
a pasta alegou que a medida visava redução de custos, os quais poderiam ser
redirecionados a políticas do setor.
Segundo Antônio Lacerda Souto, vice-presidente do conselho, o governo
federal vinha custeando nos últimos anos esses valores – cerca
de R$ 40 mil por mês necessários para garantir a participação de
integrantes de diferentes regiões do país. Após a suspensão dos recursos,
o ministério chegou a sugerir que as reuniões ocorressem por videoconferência.
Mas a estrutura não foi disponibilizada.
Em meio ao impasse, conselheiros dizem que não tem sido possível atingir o quórum necessário para discutir a maioria dos temas previstos. Entre eles, está o plano de aplicação de recursos do Fundo Nacional para a Criança e Adolescente, que recebe doações dedutíveis do imposto de renda e financia projetos em favor dessa faixa etária.
Pela lei atual, cabe ao conselho a definição de quais projetos recebem os recursos. Ao todo, segundo documentos do grupo, o fundo tinha ao menos R$ 12 milhões disponíveis para este ano. Deste valor, R$ 3,6 milhões foram contingenciados. O restante não tem perspectiva de aplicação.
Em agosto, representantes das entidades que atuam na área da infância pagaram suas passagens para participar da assembleia e definir o destino do fundo. A ausência sobretudo de membros do governo que fazem parte do Conanda, no entanto, impediu que o quórum mínimo fosse atingido.
Para conselheiros, a oferta de videoconferência não é alternativa. “A questão da criança é uma pauta densa. O fundo vem de doações do imposto de renda. É um dinheiro público, dado pela sociedade. Como vamos discutir tudo isso por Skype?”, questiona o vice-presidente do conselho, Antônio Lacerda Souto. “Podemos ser corresponsabilizados depois por estar liberando dinheiro à distância”.
Há outros impasses. Na última segunda-feira, 26, a secretária-executiva do Conanda, Verena Martins de Carvalho, foi exonerada sem que a decisão fosse submetida ao plenário do órgão, ao contrário do que define as regras do conselho.
A Conferência Nacional de Criança e do Adolescente, prevista para ocorrer a cada três anos e marcada para outubro, também foi cancelada por falta de contratação de empresas pelo ministério em tempo hábil.
Caso pode ir à Justiça
A série de entraves tem sido monitorada pela Procuradoria de Defesa dos Direitos do Cidadão, que enviou pedido ao Ministério Público Federal para que avalie a possibilidade de entrar com ação de improbidade administrativa contra a secretária nacional da criança e adolescente, Petrúcia Andrade.
A procuradoria diz que a situação “tem comprometido o funcionamento de toda a política nacional de atendimento aos direitos da criança e do adolescente, violando o princípio constitucional de absoluta prioridade desse grupo populacional”.
A reportagem procurou o Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos ao longo dos últimos dois dias para comentar o caso. A pasta, porém, não respondeu. Em maio, a pasta informou que a suspensão dos recursos visava ‘redirecionar os custos’ e tinha como finalidade ‘fortalecer as ações de promoção e proteção de direitos das crianças e adolescentes’.
Membros de entidades da área da infância, no entanto, dizem ver divergências políticas. Entre elas, está a proposta do atual governo de regular o ensino domiciliar. Em abril, o grupo se posicionou contra a medida, o que gerou incômodo no ministério. O embate se manteve nos meses seguintes. “Foi um projeto que passou sem nenhuma consulta ao conselho”, diz Ariadyne Acunha, da AMSK (Associação Internacional Maylê Sara Kalí) Brasil e uma das conselheiras do grupo.
De acordo com o vice-presidente, Lacerda Souto, a defesa de membros de criar um grupo de trabalho para discutir questões LGBT, como o combate à violência e o respeito à identidade de gênero, também não foi bem aceita pela pasta. Em outra medida, o ministério enviou um pedido ao conselho para que flexibilizasse a resolução de 2004 que passou a considerar a publicidade infantil abusiva.