Por Iolanda Ventura, da Redação
MANAUS – O menino Emanuel Marques, de apenas 9 anos, que conseguiu viajar sozinho de Manaus para São Paulo no último dia 26 de fevereiro, expôs falhas na segurança aeroportuária, afirma o advogado dos pais do garoto, Mozarth Bessa. Ele afirma que após o episódio, a família contratou uma babá para ficar monitorando Emanuel e pretende colocá-lo em uma escola integral.
O ATUAL conversou com a mãe de Emanuel, que preferiu não comentar o caso, mas informou que o filho e a família passam bem. “A mãe dele está procurando outra escola pública de tempo integral para deixá-lo o dia todo para ele não fugir”, contou o advogado.
Emanuel lida com o acontecimento de forma descontraída. “Ele fez um vídeo com o padrasto onde diz: ‘ei, eu vou ensinar para vocês como voar na Latam de graça’”, revelou Bessa.
O advogado afirmou que entrará com uma ação na Justiça, mas está reunindo informações. “Nós estamos ainda na fase investigatória da apuração dos fatos, porque é o conjunto de erros, tanto da administradora do aeroporto, que é uma empresa francesa do consórcio francês [Vinci Airports] que toma conta do aeroporto de Manaus, e mais a Latam”, disse.
Mozarth Bessa relata que Emanuel não pesquisou na internet como viajar de avião sem ser percebido, mas sim sobre os voos, os critérios para entrar no avião e aproveitou a distração de funcionários no Aeroporto Internacional de Manaus Eduardo Gomes para embarcar.
Trajeto
O garoto saiu escondido de casa e pegou dois ônibus para ir ao aeroporto. O advogado conta que por ser criança, conseguiu passar por baixo da catraca sem pagar as passagens.
“Ele já tinha ido para Guarulhos, em janeiro, quando viajou com o pai dele. E lá ele se encantou e disse que queria morar e estudar em São Paulo. Não queria Manaus, Manaus é suja, feia. E aí ficou com esse negócio na cabeça, o pai dele falou. Ele percebeu a distração dos funcionários que ficam no primeiro ponto de acesso restrito. Então, quando houve a distração ali, ele entrou”, contou.
Bessa explica que após passar pelo primeiro ponto, onde é apresentado cartão de embarque, o garoto foi até o raio-X. “Quando ele chegou no raio-X, lá ninguém pede mais cartão de embarque, ninguém pede nada. Você tem que passar ali só com o material, botar na esteira do raio-X e pronto. Como ele não tinha nada, passou tranquilo ali, mandaram ele passar”, narrou.
Por fim, Emanuel conseguiu atravessar o portão de embarque sem obstáculos, segundo Bessa. “Quando chega lá na porta de embarque onde o funcionário da Latam pede documento, que é uma obrigação imposta na lei, no regimento administrativo aeronáutico, nos regulamentos, nas normativas e tudo mais, eles não pediram a certidão de nascimento, tampouco se importaram com quem o menino estava, o menino entrou no avião”, disse.
Já dentro da aeronave, o advogado cita outro erro na segurança, desta vez, pela companhia aérea. “Antes do avião fechar as portas é feito um checklist de passageiros, quantos passageiros tem, tem que bater com a lista que os funcionários da ponte de embarque ali do solo fornecem para o comandante. ‘Olha, aqui tem 50 passageiros embarcados. Como é que tem 51 lá dentro?’. Alguém contou errado”, pontuou.
Bessa relata que Emanuel chegou a escolher o lugar para a viagem. “Quando o avião fechou as portas ele até pediu: ‘você pode me botar num assento melhor, num assento mais confortável?’. Trocou ele, colocou num assento mais confortável e ele foi embora. Tinham colocado só uma pulseirinha nele, alguma coisa assim, um negócio que ele falou, não explicou direito”.
Somente em São Paulo perceberam que o menino estava descendo sozinho. “Aí foi que chamaram o pessoal. Mas ele já tinha ido. E se fosse um menino com uma bomba, droga? Tinha passado. Sendo usado por um adulto se fosse o caso”, advertiu.
Em nota, a Latam Brasil informa que, durante o processo de desembarque do voo, na tarde de sábado (26), a equipe a bordo identificou que uma criança viajava sem identificação e desacompanhada.
“Antes do menor ser desembarcado, como parte do protocolo de segurança da empresa, o menor foi acolhido pela equipe de solo do aeroporto de Guarulhos/São Paulo, que acionou imediatamente a autoridade policial e o Conselho Tutelar para os trâmites assistenciais necessários e autorização para a recondução dele para Manaus”, informou a empresa.
[“menor” é um termo pejorativo não recomendado para se referir a criança ou adolescente, de acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente. O ATUAL não usa esse termo, exceto quando reproduz texto de nota oficial, como é o caso da Latam].
A Latam também informou que esteve todo tempo dando assistência ao meninno e à disposição das autoridades. “No domingo (27), após a liberação das autoridades envolvidas, o menor teve a autorização para embarcar no voo LA3008 (São Paulo/Guarulhos-Manaus), sendo recepcionado pelas autoridades locais, e encontra-se com a sua família”.
Após investigações internas junto ao sistema de segurança do aeroporto de Manaus, a empresa lamentou o ocorrido e informou que medidas de segurança já estão sendo reforçadas e tomadas para garantir que este tipo de situação não volte a ocorrer.
Brechas na segurança
A sucessão de falhas que possibilitou a viagem do garoto é um sinal de que é preciso mais rigor nos procedimentos para viagens, destaca o advogado. “A gente percebe que é muito primário, ainda. Achamos que tem uma segurança muito grande, a segurança aeroportuária, pelos regimentos que existem, todas as legislações, controle, tudo mais. Mas não é”, criticou.
Bessa considera que o caso é um alerta para outras possíveis situações resultantes de falhas na segurança. “Tem uma babá colada nele. Ele diz que vai voltar, vai dar o jeito dele, que já sabe como passar uma vez e vai passar outra. E eu não duvido não, porque essa sequência de erros aí talvez tenha sido só um estopim para abrir o olho de algumas irregularidades que possam ter acontecido e passado desapercebido; como passa droga, arma, como passa tanta coisa pelos nossos aeroportos”, afirmou.
O advogado conta que o caso destoa do reconhecimento de segurança recebido pelo Aeroporto Eduardo Gomes. “Existe um manual de operações de aeródromo, que são essas operações a respeito de carga, passageiro, vistoria. E o aeroporto de Manaus ganhou recentemente um certificado operacional de aeroportos, que é de alto padrão de segurança. É até vexatório”, disse.
Mozarth Bessa, que costuma advogar na área aeroportuária e tem formação de comissário, explica que na prática o Regulamento Brasileiro de Aviação Civil não é cumprido. “Ele [o regulamento] vem dizendo tudo o que tem que ser feito. E quando você lê e compara com o que aconteceu com o Emanuel, você percebe que é tudo fora do padrão”, afirmou.
Bessa cita como um exemplo de falha da fiscalização o aeroporto de Tabatinga (a 1.106 quilômetros de Manaus). “Tabatinga é uma falha, não tem Receita Federal. Se eu tivesse com dez iphones aqui eu ia passar e não ia acontecer nada, recolhimento de imposto, nada”, disse.
O advogado conta que a situação seria ainda pior se fosse um voo para fora do Brasil. “Ainda bem que não foi um voo para o Panamá. Porque se tivesse sido, como que ia conseguir de volta o menino, já entra na questão de relações internacionais, Itamarati, porque é um menor”.
Em nota, a direção do Aeroporto Internacional de Manaus informou que após investigações sobre o ocorrido no último sábado (26), iniciou a implantação de um plano de ações corretivas para evitar que a situação se repita.
Entre elas estão revisão de procedimentos em vigor e intensificação da supervisão de acessos, com o objetivo de aumentar os níveis de segurança. Segundo a direção, algumas adequações na infraestrutura já previstas pela administração também reforçarão a vigilância no embarque.
“O Aeroporto lamenta o ocorrido e ressalta seu compromisso com o bem-estar e a segurança de seus passageiros. Informa ainda que está colaborando com as autoridades competentes para o esclarecimento dos fatos”, comunicou na nota.
Voos fretados
Bessa também chama a atenção para os voos fretados, em relação ao controle dos nomes de quem embarcou em uma ficha. “O avião fretado, o piloto tem que colocar o nome do passageiro. E eu te digo, há menos de duas semanas duas moças foram presas com drogas no aeroclube [de Manaus]. Elas pousaram no aeroclube com 19 quilos de droga na maleta. Uma era menor e a uma outra adulta. A menor é uma adolescente, ela já está em casa. Ela entrou no avião lá, o nome dela não estava na lista”, relatou.
Ele explica que isso é uma responsabilidade da Agência Nacional de Aviação Civil. “Só que o governo federal não dá concessão de funcionamento desse tipo de aeroporto, dos pequenos, os aeródromos. Então tem esses voos que não são regulares. Mas tem que existir uma fiscalização. Tem voo que engana o sistema, tem voo que o piloto tem que fazer planejamento para ir para um lugar e ele pousa em outro”, disse.
O advogado afirma que há uma cadeia de erros que vai desde a direção até quem opera as aeronaves. “Por que esses aviões pequenininhos caem? Porque não tem uma manutenção que preste, uma fiscalização dessas manutenções. Então do mesmo jeito acontece como aconteceu com o Emanuel”, criticou.
De acordo com o advogado, ele esteve com Emanuel nesta sexta-feira (4) no Aeroporto Eduardo Gomes para reconstituir todos os passos do menino. Bessa afirma que ouvirá o depoimento de todos os funcionários envolvidos. Segundo a defesa, o garoto foi ouvido pela Polícia Civil do Amazonas na quinta-feira (3) para dar mais esclarecimentos sobre o caso.